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VOCÊ CHEGOU, MANUELA

Filha, você chegou. Eu e sua mãe estamos com o coração cheio de amor. Você escolheu o dia 17 de novembro para nascer, quando se comemora o nascimento de Lev Semionovitch Vygotsky, o grande nome da teoria do desenvolvimento intelectual das crianças, que propunha que este desenvolvimento se dá pelas interações sócio-histórico-culturais. Seu pai tem ministrado muitas aulas sobre ele, Manuela, mostrando que a linguagem é a base da elaboração do pensamento. Para um educador, nada mais significativo e gratificante. Você se desenvolverá em breve, meu amor, com o aporte dessa ferramenta poderosa da linguagem. Falará e saberá decifrar os enigmas do mundo. Saberá que a etimologia de seu nome é “Deus está conosco” e que ele é ao mesmo tempo uma descrição de que és uma criatura divina que está entre nós e uma homenagem a todas as mulheres guerreiras deste país, que enfrentam as vicissitudes do mundo masculinizado com a “força de Deus”, a maior que poderia existir. E se “Deus está entre nós”, ao mesmo tempo somos humanizados com a vida, vivendo tudo o que ela nos oferece.

Há também o fato de seu nome homenagear seu ramo familiar materno, já que a família de sua mãe descende de portugueses. Certamente você é uma “Manuela de além mar e Trás os Montes, sim senhora.”

Ficamos ansiosos esse tempo todo, mas nossos referenciais espirituais nos mantiveram na esperança de que tudo daria certo. E deu. Eu e sua mãe somos gratos à vida, por você ter chegado assim, pequenina, mas saudável. Você não poderia ter uma mãe tão boa quanto a minha Deia, uma pessoa maravilhosa que tem me ajudado a ser melhor como ser humano. Foram muitos percalços que eu tive até aqui, filha, mas o meu caminhar me fez conhecer sua mãe e nosso amor ter nos proporcionado você.

Sua ancestralidade te protege, filha. Você vem em um momento em que seu pai descobriu seus dois mais antigos antepassados, seus decavós Crescenzo Ciccone e Antonia Limatola, que provém do meu lado materno, nascidos em 1705 e 1709 respectivamente. Eles se rejubilam entre os seus 2048 decavós e juntamente com todos e todas as pessoas da sua ancestralidade irão te proteger em vida para que você garanta o seu legado.

Nas minhas caminhadas, sempre tive o desejo de tê-la comigo, mas foi necessário esperar um pouco mais e, agora, quando a realização pessoal já chegou ao nível mais elevado, você veio para coroar a minha vida de alegrias. Não há tropeços que possam me fazer deixar de olhar para a frente, nunca. E ali na frente estava você.

São tantas pessoas te desejando e te amando, que a aura significante de sua vinda se encheu de luz. Seus avós, sua bisavó, suas tias, seus primos, seus tios, nossos queridos amigos e amigas, todos querendo que você chegasse logo e bem. Dona Maria é a avó mais linda que você poderia ter. Nunca vi pessoa tão doce, amável e dedicada às filhas e netos. Dona Evinha te olha de lá do universo, regozijando-se pelo seu furinho no queixo, minha e sua marca registrada. Lourenço e Nelson, seus avós, também estão emocionados, querendo te ver prontamente. Enfim, todos estão amando você. E não era por menos. A Beatriz, nem fale, já que depois de 21 anos recebe uma priminha de presente. Os meninos estão te esperando para brincar. Todas as tias corujas, dos dois lados, só querem o melhor para você e sua mãe.

Não sei se posso desejar algo para sua vida, que já respeito sobremaneira, sem querer ferir seu processo autônomo. Como pai, no entanto, não poderei me furtar à responsabilidade de te indicar um mundo cheio de possibilidades. Segurarei você pela mão até quando eu puder, para lhe mostrar que há caminhos que não são tão bons assim.

Seu quintal estará repleto de árvores frutíferas, plantas e flores. O Chico, a Pitucha, a Pipoca e o George também estão loucos para ver você. Logo você interagirá com eles. Já vislumbro você engatinhando pela varanda e mexendo nos vasos de flor de maio. Não faltarão oportunidades de comunhão cósmica, de vivências simples e significativas, para além das necessidades forjadas pelo espírito consumista dessa sociedade desajustada. No que depender de nós, seus pais, você será aberta a todas as pessoas, de todas as crenças, de todas as raças, de todas as condições, sem preconceitos ou estereótipos. Certamente não será racista, homofóbica, nem terá tolerância com quem é. Será defensora dos Direitos Humanos, dos direitos sociais plenos para todos e todas. Serás uma feminista, com todo carinho e generosidade que esta condição pressupõe. 

Siga seus caminhos, filha, faça suas escolhas. Estaremos sempre ao seu lado, orientando sem direcionar, te amando e respeitando em sua individualidade. Já percebemos uma personalidade forte, ao mesmo tempo calma. Você aprenderá a viver em um mundo injusto, em que crianças como você nascem sem o mínimo de direitos garantidos, sem afeto, sem um lar. Peço a Deus que sua consciência ética e política se desenvolva naturalmente, para que você não caia no canto da sereia do discurso moralizador, das supostas vantagens de uma vida material privilegiada, das falsas impressões sobre a vida e a realidade.

Você logo verá também que em casa temos muitos instrumentos musicais, discos e cds, até um pequeno estúdio para poder brincar de cantar. Seja aberta a todas as manifestações da cultura, mas não deixe de apurar seu olhar crítico e transformador. Tenha gosto pela cultura popular, pela música, pela arte. Várias pessoas da sua família são talentos artísticos em desenvolvimento. Junte em você a ternura, a sensibilidade, a fantasia, o encanto pela vida, sem deixar de ser afiada nas opções ideológicas, decifrando as esfinges como naturalidade, abraçando o que é justo e certo sem rodeios.

O mundo em que você está entrando vive problemas cruciais, com os quais você e milhares, milhões de crianças que estão nascendo deverão enfrentar. Seja solidária, participativa, envolvida com as questões ecológicas, negue o racismo, negue a homofobia, negue o desprezo social pelos menos favorecidos. Orgulhe-se de estar do lado certo da vida, seja grata pelo que recebe. Se quiser, cultive alguma experiência de espiritualidade, ela lhe será fundamental para o autoconhecimento e a disponibilidade gentil para a vida, mesmo que as vezes ela lhe seja dura.

Enfim, seja você mesma, minha filha. Sei que será. Brinque com o Murilo, o João, o Pedro, a Bia, o Leo. Mergulhe na vida e abrace de coração tudo o que ela te oferecer. Não esmoreça diante das dificuldades e confie, confie, porque você tem o resguardo das forças positivas da natureza, de todas as forças espirituais que nos guiam, dia a dia, nesse vale de alegrias. Eu e sua mãe amamos você. E Deus está contigo.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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5 Comentários

  1. Que lindo texto. Quanto amor. Que benção de Deus.

  2. Deus continue abençoando a sua família!!🥰

  3. Me emocionei lendo. Que a chegada da Manuela encha ainda mais a sua vida de amor.
    Parabéns. Vcs serão pais incríveis!
    E quem sabe a Manuela não cruze o caminho do meu Guto e construam uma boa amizade!
    Por aqui, também nos esforçamos para criar uma infância livre e que respeite todas e todos (e confesso que nesses tempos crueis, está doloroso e difícil entender e explicar tudo que acontece por aí).
    Muita vida para vocês!

  4. Que lindo! Ela será. Não tem como ser diferente de tudo isso, advinda do pai que tem.

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