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PAULO ROBERTO DE ALMEIDA: UM INTELECTUAL MILITANTE

Eu soube apenas na última semana que você havia adoecido. Meu compadre e seu amigo, Rinaldo Varussa me lembrou que você desabrochou para a vida no dia 02 de abril de 1962. Dois meses depois, no dia 02 de junho de 1962 seria a minha vez.

Estávamos separados por dois meses na maternidade. Mas algo aconteceu no percurso de nossas vidas. Acabamos nos unindo por razões além de nossa capacidade de compreensão. Foi a militância, no partido e no sindicato, que fez com que você fosse um dos meus guias intelectuais originais.

De certa maneira, por suas mãos e pelas mãos do nosso amigo em comum, Edilson Graciolli que eu me filiei ao Partido dos Trabalhadores em 1989. Dois anos depois nós estaríamos juntos na direção local da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede estadual paulista. Enfrentamos duras batalhas, as grandes greves do início dos anos 90. A militância política ainda vinha desacreditada, devido aos anos de chumbo do regime. Dirigentes da estrutura da Diretoria de Ensino se colocavam publicamente contra greves e movimentos. Um deles chegou a dizer: “greve já era”. As relações com as demais entidades de classe não eram boas, a maioria delas com espírito assistencialista e corporativo.

Nós vínhamos de experiências ligadas à igreja e ali no movimento sindical nos deparamos com outras tendências, algumas defensoras dos governos estaduais de plantão (do antigo PMDB), algumas ligadas ao tucanato (com posições próximas às nossas) e outras tendências mais à esquerda. Nós estávamos no centro do debate, defendendo por vezes posições conciliadoras e em outras, enfrentando as demais posições em aspectos específicos.

Foi um momento de muita aprendizagem. Você era o nosso líder. As nossas relações extrapolavam o movimento sindical. Eu cheguei a frequentar a sua casa quando você morava nos fundos da casa do Gilberto de Carvalho. Foi lá que você me convenceu a tentar o mestrado em história na PUC-SP. Foi comigo, me apresentou para a minha futura orientadora, abriu as portas.

O programa de história contava com a presença de Déa Ribeiro Feneleon, com quem você mantinha estreita relação. Ela que fora uma das mais importantes historiadoras brasileiras do campo da historiografia social inglesa. Você seguiu seu curso, terminou o mestrado, o doutorado. Assim como eu, sua graduação não era em história, mas a vinculação com a área se dava por razões talvez não tão claras para alguns professores do programa. A principal delas era a de sermos militantes no movimento social e político. Algumas professoras insistiam que deveríamos separar a militância da pesquisa acadêmica. A visão de ciência, provavelmente, estava atravessada por um certo sentido de imparcialidade, o que não condiz com um sentido mais largo de ideologia e de relações entre teoria e prática social. Para nós, marxistas, o conceito de práxis era fundamental, dele não abríamos mão. E assim foi, até hoje.

Você teve a oportunidade de ser aprovado em um concurso na Universidade Federal de Uberlândia. Durante os anos em que lá trabalhou, desenvolveu várias pesquisas, sempre com o foco nas lutas de trabalhadores e trabalhadoras. Nunca perdeu esse Norte. Eu aqui, perdi o contato com você. Só restabeleci recentemente, quando solicitei e publiquei seu mestrado, aquele estudo imprescindível sobre os Círculos Operários Católicos, que expõe as posições assistencialistas de um movimento católico cuja finalidade era desmobilizar trabalhadores da luta sindical e política.

Você se manteve fiel aos seus propósitos acadêmicos e partidários. Eu não tive a mesma sorte, porque as variáveis locais não favoreceram. Mudei para a área dos estudos em Filosofia da Educação. Mas no coração estivemos sempre na mesma trincheira, em lugares diferentes. Havia alguém que nos inspirava, alguém de quem você foi mais amigo do que eu. Uma admiração que se estabelecia em primeiro lugar pela juventude daquele jovem militante, que nos ajudou tanto a compreender a luta política. E nos ajudou concretamente, inclusive. Trata-se do atual ministro do desenvolvimento agrário e agricultura familiar do governo Lula, o deputado Paulo Teixeira. Nos encontramos pela primeira vez, ele, eu você, o Edilson e tantos outros, naquela salinha do Partido dos Trabalhadores na rua Dr. Torres Neves, ao lado da entrada lateral da Associação Esportiva Jundiaiense. Paulo Teixeira seguiu com brilhantismo sua luta. E nós seguimos na vida acadêmica.

Foi também naquela salinha da Apeoesp, na mesma rua, mas em sentido oposto, que nós planejávamos as ações sindicais. Havia diferenças entre os grupos, sim. Mas uma transcendência qualquer nos unia em uma fraternidade praticamente socialista. Eu, você, a Célia, o Rinaldo, a Bia, a Ero, a Rosane, o Eduardo Tadeu, o BA e tantos outros que vieram juntos e depois.

Eu tenho uma dívida de gratidão para com você. Para um jovem que vinha de uma linha conservadora da igreja e que depois despertou para a Teologia da Libertação, encontrar os ecos de um cristianismo social na luta sindical e política, foi arrasador. Você e o Edilson foram fundamentais neste aspecto. Insisto, você me levou para a PUC-SP. Me proporcionou ver a figura de Paulo Freire pelos corredores. E por esta razão eu segui minha jornada acadêmica. Creio firmemente que nossas pesquisas confluíam num mesmo plano: as causas populares. Eu, na minha investida investigativa sobre a obra de Paulo Freire. Você se aprofundando nos estudos históricos sobre as lutas de trabalhadores.

Das memórias mais singelas, ficam as imagens daqueles encontros na sua casa e também de uma visita que fiz à casa de sua mãe. Ali, pertinho de onde eu fui criado. Senti muito a sua partida, mas sei que você atingiu muitos dos seus desejos, inclusive o de ser pai de uma menina. Por uma dessas vias não programadas da vida, também eu fui me tornar pai de uma menina. Creio que este sentimento me move, nessas lembranças amorosas todas que me movimentam entre ontem e hoje. Um amor fraterno que sempre nutri por você e por todos os  que nos rodearam naqueles idos dos anos 80 e 90. Eu fico imaginando o que passa no coração de sua esposa e de sua filha neste momento e volto meu coração para elas, porque aqui eu tenho também duas mulheres que eu amo profundamente.

E tive muitas pessoas que me ajudaram, Paulo. Ultimamente tenho um amigo em especial que se parece muito com você, coração aberto, generoso. Ambos me motivaram, assim como vários outros, o Edilson em especial, a me manter como um estudioso e militante, uma militância além do institucional, sempre dedicada aos estudos. Uma militância orgânica em sentido lato, envolvendo nossos esforços de pesquisa e o compromisso social e político. Em tempos de fragilidade teórica das lideranças politicas, lembrar de seu nome com um dos grandes intelectuais do PT de Jundiaí se torna um alento.

Agradeço a você, meu amigo, pelos anos de convivência. Fui buscar essa foto nossa, ainda jovenzinhos, do alto dos nossos 28 anos, da época da Apeoesp. Talvez o mais expressivo símbolo de minha admiração e afeto por você. Um grande intelectual militante. Vá em paz.

 

 

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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2 Comentários

  1. Emocionante depoimento. A militância política, desde que embasada teoricamente, nos propicia amizades para a eternidade. É o nosso caso. Grato, meu irmão, por seu relato. Permaneçamos firmes na fé transformadora.

  2. Celso Pereira de Matos

    É com tristeza que percebo que os amigos de luta da juventude começam a ir. Dói ainda mais quando percebo que apesar de tudo que fizemos ainda tem tanto a ser feito. Tive a ilusão que poderia descansar na maturidade. Não dá. A luta pelo aprimoramento pessoal e social, não é uma etapa, tem que ser uma missão de vida.

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