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Para Além dos Sonhos

O massacre diário que a rotina nos impõe, impede que fiquemos atentos às possibilidades de construir um sentido para a existência. Entupidos de estímulos de toda natureza, desde os que provêm do mundo da matéria, o comércio de satisfações físicas, até aqueles que se instalam no plano das ideias e aspirações, quase temos poucas chances de vislumbrar algum nível de graciosidade na vida. Atônitos, corremos atrás do próprio rabo para dar soluções a problemas que não conseguimos interpretar, pensar com o devido cuidado. As frustrações e ansiedades são os passos seguintes, inevitáveis.

Sem catastrofismos, nem negativismos, o fato é que negamos a realidade, dura, nua e crua, para supor mundos além do imanente, que na prática não emergem em nossa atuação, em nossas operações existenciais. Perdemos-nos, no entanto, em expectativas futuras, sem dar conta de que mesmo na dureza e na quase incapacidade em fazer acontecer no real, existem brechas e possibilidades no presente que escapam a controles sociais e institucionais. Os sentidos que tanto buscamos no campo dos sonhos, aparentemente fora da realidade material, estão, na verdade, imbricados nela mesma.

Realismo e otimismo não necessariamente se contradizem. Uma boa noção do que podemos e temos condições de alimentar e conseguir, mesmo frente aos interditos do social, não suprime a tentativa de, num certo nível de esforço, conseguirmos realizar algo que nos faça bem e a alguns que nos são próximos. Por vezes, farfalham em nós essas realizações, que são aparentemente efêmeras, mas como insights emocionais, nos dão indicações de que existem elementos de satisfação pessoal, compensações fundamentais diante do turbilhão de compromissos e necessidades que o mundo do trabalho, sobretudo, nos interpõe.

A conversa num grupo de amigos, o afago de um animal de estimação, o acesso a um bem cultural, a atividade social que não nos suga, a ajuda solidária a alguém que de nós precisa, a melodia da canção, são provas de que podemos nos sentir bem e continuarmos nossa jornada, que é ela própria cheia de contradições. Se há um significado, um propósito no que vivemos, dependerá exclusivamente do grau de consciência (se é que isso é possível) que temos do que a realidade nos permite fazer, por nós mesmos e pelos outros.

Nem pessimismo categórico, nem otimismo descolado da realidade. Os pessimistas categóricos não conseguem ver a dialética da vida. Os otimistas exagerados são frágeis vítimas das ideologias e da venda de fundamentos baratos para o existir. Entre uma condição e outra, em certa medida, todos nós escorregamos nesse processo. O importante é que ele nos traga alguma percepção menos trágica, mais prática.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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