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A Política Sem Afeto

Desde os clássicos, a atividade política sempre esteve atrelada à ética. Não há como separar, defendia Aristóteles, o bem social que se busca no cuidado com o que é comum, dos valores éticos. A ética e a política possuem o mesmo objetivo, o bem do ser humano.

            No entanto, contaminados pelo espírito da competição, deixamos de levar em conta o interesse de todos para, infelizmente, defender os próprios, traindo os sentimentos coletivos que deveriam nos mover. A direita sempre incorreu neste desvio, nem há muito que comentar, já que seu discurso político sempre se sustentou em interpretações equivocadas sobre os fundamentos do próprio liberalismo econômico. A esquerda, no entanto, custa a aprender.

            Quando eu era jovem, no início de minha formação acadêmica, ainda seminarista, rebatia com rebeldia toda fala sustentada num discurso religioso adocicado, sem um pingo de consciência social. Aderia com fervor aos intentos da igreja progressista. Não que tenha sofrido uma recaída, nem cedido para certo humanismo conservador que prega uma pedagogia do afeto ou um amor incondicional. A raiva faz parte da formação psíquica de qualquer um. Sinto que me enganei em algum aspecto.

            Falta solidariedade e consideração entre os militantes da esquerda. O pragmatismo engalfinhou a perspectiva de longo prazo e, como uma comichão que nos atordoa, nos debatemos como se inimigos fossemos. Os adversários políticos dos que foram forjados no campo da esquerda se esforçam para reproduzir essa lógica insana do aniquilamento, própria dos fundamentalismos baratos. E não sei por qual razão, em vez de reagir com a altitude moral, com mais capacidade intelectual de lidar com as críticas infundadas, militantes da esquerda recorrem aos mesmos artifícios da direita. Práticas difamatórias, conflitos desnecessários, mesquinharias cotidianas, acentuam o caráter corrosivo dos interditos à política com ética.

            O afeto, diria, menos que a cordialidade subserviente sobre a qual nos alertou Sergio Buarque de Holanda, falta ao mundo da política. Em primeiro lugar, militantes da esquerda execram qualquer adversário, como se todos estivessem no mesmo balaio. Depois, internamente, reproduzem a mesma lógica, quando cedem à falta de afeto e companheirismo. Prática abominável, intolerável para quem se diz defensor dos interesses coletivos.

            Remeto-me aos idos da juventude e me penitencio, afinal, para um cristão de formação e pouco prático na caridade, devo rever alguns de meus conceitos, quem sabe, e, por vias mais críticas, defender agora, uma causa que falta ao trabalho político cotidiano: a da construção de relações amorosas mais profícuas e respeitosas.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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