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O Brasil ama Paulo Freire?

Hoje, 02 de maio de 2019, completam-se 22 anos da morte do educador Paulo Freire. Há um movimento articulado por setores reacionários da sociedade brasileira, capitaneados por agentes do atual governo e seus asseclas, que tenta descaracterizar, minimizar, desprezar e até mesmo ridicularizar o patrono da educação nacional e sua teoria. Uma deputada propõe que lhe seja retirado este título.

Mas a pergunta fundamental que se deve fazer é se o Brasil ama Paulo Freire. Tenho absoluta certeza que sim. Sobre qual Brasil estamos falando? O Brasil das classes populares não subservientes às malvadezas do conhecimento comum. Estamos nos referindo àqueles que, a partir de sua cultura original conseguem ler o mundo pelo viés da crítica transformadora. Dos esfarrapados, dos sofredores e perseguidos, que não se dobram às articulações espúrias para a sua menor diminuição, como reformas previdenciárias e investidas contra a educação popular.

Falamos dos egressos da Igreja Popular, os militantes de movimentos sindicais, das comunidades de base, das periferias do mundo, das associações de bairro, dos clubes de mães, dos militantes populares de saúde, de habitação. Dos que lutam pela terra, dos quilombolas e indígenas, dos trabalhadores do campo e da cidade. Este Brasil da margem social, mas que dá frutos em abundância, já que seus filhos chegam à universidade, tornam-se professores, líderes populares, cientistas, pesquisadores e até mesmo à presidência da república.

Um Brasil que transcende as barreiras da fraternidade e da irmandade entre pessoas, que navega além dos mares, que chega à Europa, à África, à América do Norte, às melhores Universidades, onde o educador da libertação não só é reconhecido, mas reverenciado, tomado como referência entre as múltiplas batalhas em torno de uma educação com qualidade social e para todos.

Um Brasil das minorias, dos negros, das mulheres, das crianças, dos homossexuais, dos deficientes, dos jovens, dos pobres, daqueles que lutam contra toda forma de discriminação. O Brasil da democracia, que luta contra o autoritarismo em todas as sua formas, contra os limites à participação popular, contra os impedimentos da comunicação, contra o controle arbitrário e ideológico do conhecimento por parte dos meios de comunicação de massa.

Paulo Freire desperta o amor dos educadores e educadoras que desejam pensar a educação como processo de humanização. Dos educadores que vivem o dia a dia da escola e das salas de aula dando o máximo de si para seus alunos e alunas. Daqueles educadores que não deixam de lutar por seus direitos, inclusive o direito à participação nos destinos das políticas públicas do seu setor.

Professores que aprenderam com Freire que o diálogo qualificado é a melhor metodologia de ensino, que os conhecimentos acumulados pela humanidade devem sempre ser articulados aos saberes populares, com a finalidade do aprimoramento humano, a superação de mazelas sociais, políticas, ambientais e de toda ordem. Professores e professoras comprometidos com a educação humanizadora, integral, inspiradora, fonte de sentido e esperança neste mundo tão propício às evoluções criadoras, a despeito de interstícios e involuções momentâneas.

Sim, o Brasil ama Paulo Freire. A imensa maioria do povo brasileiro acredita nas inspirações proporcionadas por ele. Tais inspirações reforçam a esperança de que tudo que não aprimora, deteriora. Tudo que vem para destruir se destrói naturalmente. Tudo que é contra a boniteza e a decência decai naturalmente. Estamos certos de que não há o que se possa fazer contra Paulo Freire. Seu legado já está inscrito nos registros mais fidedignos das gentes de todo o mundo, nas universidades de vários países, nos livros publicados em dezenas de línguas, nas práticas educacionais até hoje em curso e que se inspiram em seus postulados. Não há como apagar esta grandiosidade e este reconhecimento. Nem com a retirada de títulos, nem com ataques gratuitos e grosseiros inspirados na ignorância.

Paulo Freire é amado no Brasil e no exterior. Porque sua conduta como ser humano, para além de suas teorias e posições, já diz a que veio. Veio para não ser o único, nem o inigualável. Veio para ser um entre nós, grande homem e estudioso dos anseios populares. Não era um guru, místico, profeta, nem guia espiritual. Era um profissional da educação com título de doutor, um estudioso denso e profundo, mas amoroso e conhecedor das coisas de seu povo. Merece ser amado pelo Brasil. Um Brasil do qual fazemos parte. Mas um Brasil de todos, quer queiram, quer não.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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