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As calçadas do Porto

Vestígios em escavações arqueológicas dão conta da existência da cidade do Porto já no século IV a.C. Alguns sítios podem ser encontrados ainda hoje na cidade. No século II a.C. os romanos já chamavam a localização de Portus Cale. Momentos depois passou a ser considerada capital do condado portucalense, sob domínio romano. O nome do local seria posteriormente o nome do país.

Com uma área total de pouco mais de 40 km2 e cerca de 240 mil habitantes, em termos de comparação, tem 10% do território de Jundiaí-SP e pouco mais da metade da população da nossa cidade.

Palco de muitos acontecimentos marcantes da história, como as disputas entre o infante dom Pedro e o rei Dom Afonso IV, por causa do episódio de Inês de Castro, a cidade em sua parte medieval conserva características de um labirinto de ruas estreitas à beira do rio Douro.

Várias personalidades marcantes nasceram no Porto, como o Infante Dom Henrique, um membro da família real, filho de Dom João I, célebre por seu apreço ao conhecimento científico, que deu origem a uma cadeira de filosofia e astronomia em Coimbra e ao processo das navegações portuguesas. Também o famoso escritor e político Almeida Garret, considerado por alguns estudiosos o segundo maior escritor português depois de Camões.

A cidade ainda é palco de outras circunstâncias históricas, como a invasão napoleônica, entre 1807 a 1811 e o chamado cerco do Porto, quando um dos filhos de Dom João VI, Dom Miguel, encabeça golpes de Estado contra o pai. Um personagem foi decisivo neste contexto, Dom Pedro IV, seu outro filho, que foi Imperador do Brasil como Dom Pedro I.

Não há quem não fique fascinado por este acúmulo de história e cultura, expresso em cada pedaço da cidade, em forma de arquitetura, especialmente, mas que se diversifica espacialmente como um chão quadriculado de oportunidades existenciais.

As calçadas da cidade, são uma marca característica. Não há um canto sequer, exceto em algumas áreas, que não nos deparemos com esse tipo de piso, todo quadriculado em cimento, em alguns casos em forma de losango. É como se o chão das calçadas representasse cada pedaço de história e cultura que há na cidade.

E são inúmeros espaços, como igrejas, museus, locais de espetáculos, parques, jardins, mosteiros, pontes, estações ferroviárias, que dão sentido a esse chão de pedaços culturais. A estação ferroviária São Bento, por exemplo é um dos principais pontos turísticos por causa dos azulejos que compõem um quadro da história de Portugal. Ali perto temos várias Igrejas, a Catedral do Porto, a Torre dos Clérigos, a sede administrativa da Universidade do Porto, a Universidade Lusófona, toda a extensão da beira do Rio Douro, do lado do Porto e do outro lado, da cidade de Vila Nova de Gaia. Ainda ali perto temos a praça da liberdade, onde reina imponente uma estátua de Dom Pedro IV. Ao fundo o prédio da prefeitura, a Igreja da Trindade e mais adiante, a Igreja da Lapa, onde está o coração de Dom Pedro IV. Mesmo com seu corpo tendo sido transladado para o Brasil no sesquicentenário da independência, o coração de Dom Pedro I ficou na igreja da lapa.

Há vários cemitérios na cidade, alguns nas próprias igrejas e com personalidades ali enterradas. A cidade é muito bem servida com uma eficiente dinâmica de transportes, com metro integrado aos ônibus urbanos e interurbanos. Mas tudo é perto, de modo a facilitar o deslocamento a pé, quando possível saborear os detalhes das varandas, a arquitetura das casas, os azulejos, os pequenos comércios em quitandas e armazéns, as feiras populares nas praças em finais de semana.

Outros imponentes monumentos da cidade são o estádio do Futebol Clube do Porto, chamado de estádio do Dragão, as pontes que atravessam o rio Douro, o Coliseu do Porto – local de shows e espetáculos, a Casa da Música e o aeroporto Francisco Sá Carneiro.

O grande fluxo de turistas vindos do mundo todo faz com que os finais de semana e até mesmo os dias da semana, tornem a cidade um verdadeiro formigueiro humano. Celebrada como uma das cidades mais bonitas do mundo, o Porto acolhe. Mas também segrega. Como não se sensibilizar com a dignidade dos pedintes e moradores de rua? Como evitar vê-los circulando, dormindo nas marquises, acompanhados de seus animais de estimação? Há um Porto que fica ali, num canto da cidade, como um daqueles quadradinhos das calçadas que compõem o complexo quadro social.

E nos deparamos neste emaranhado de sensibilidades e experiências culturais. Crescemos na solidão que é ser estrangeiro em terra estranha. Ao mesmo tempo nos identificamos com as lutas do povo, contra a ditadura, contra a segregação de minorias, contra a derrubada de direitos sociais. Nos identificamos com os esforços humanistas de educadores que desejam ver avançar o direito à educação, em um país que cresce em investimentos no setor e possui uma das melhores avaliações de seu sistema educativo na Europa.

Certamente aqui é um Porto, relativamente seguro. Onde acolhido estou, estive e seriei sempre, em minha memória e na memória dos meus amigos e amigas que aqui deixarei.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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