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HOJE É DIA 02 DE MAIO

Nunca foi apenas uma questão de método. Era uma ação política efetiva pela promoção de homens e mulheres invisíveis no plano da cidadania. Nunca foi uma doutrinação. Era uma comunicação em bases plenas e igualitárias pela busca da conscientização. Nunca foi comunismo. Era um compromisso cristão pela libertação e pela emancipação. Nunca foi aplicado na educação brasileira. Sempre esteve à margem, rejeitado pelos discursos hegemônicos. Nunca teve a intenção de se tornar universal. Era apenas uma vontade de mudar o Brasil, mas que extrapolou a condição local, para se tornar sonho de cidadania global. Nunca foi abstração filosófica, uma “mera” utopia. Sempre foi uma prática educacional transformadora. Nunca foi só a cultura popular. Era e sempre foi um mergulho no mar imenso de toda a cultura, da ciência e do conhecimento. Nunca quis ser conhecido no mundo todo. Sempre foi apaixonado pela cultura brasileira. Nunca foi apenas uma teoria. Sempre foi compromisso com a realidade. Nunca foi uma carreira acadêmica. Era apenas uma vida amorosa acima da média. Nunca foi apenas um brasileiro reconhecido no exterior. Sempre foi um nordestino que gostava de plantas, bichos, água e gente.

Os lugares comuns são facilmente identificáveis, porque vazios de significado. Sua rejeição, por uma parcela da sociedade que, como ele dizia, não passou pelo trânsito de uma consciência ingênua para um processo de conscientização, comprova que a dinâmica dialética da construção do conhecimento é árdua, comportando idas e vindas. Isso é historicidade. A politicidade da educação é uma condição desafiadora, ainda. A ingenuidade pode andar de mãos dadas com a má fé. E educação também é construção de um inédito viável, uma condição de vida ética possível. O desafio da necessária convivência democrática nunca esteve tão presente como hoje. E ainda estamos esperando o que?

Ataques aos Direitos Humanos fundamentais, ataques à ciência e à educação, ataques à moralidade política, ataques ao ambiente natural, despolitização do debate público, perda do sentido da decência, desprezo pela diversidade cultural. Essas realidades são obra de sua influência sobre a educação brasileira? Como é presente o sentido da projeção, esse conceito que consiste na ideia de que as pessoas enxergam nos outros o que carregam em si mesmas, esse mecanismo de defesa presente nas mentes incautas, por vezes movidas pela maldade da desconstrução alheia. Essas mesmas que saem às ruas à serviço da morte – física, intelectual, espiritual, política.

Não que tenhamos que viver submetidos à uma lógica da messianização dos nossos nomes de referência. Até nos parece paradoxal que alguém seja chamado de messias. Há tantos por aí, que são santos do pau oco. No entanto, os que são reconhecidos mundialmente merecem mais crédito, enquanto esses outros são rejeitados, os ignaros que se tornam símbolo da ignorância, desconsiderados em todos os lugares sérios da governança e da cultura mundial, pelo seu comportamento desumano. Os humanizadores não perecem, permanecem vivos na memória, mesmo que esquecidos pelos grupos hegemônicos. Inspiram políticas, inspiram projetos transformadores, inspiram vidas que não se apequenam, que se embalam em desejos contínuos de aprimoramento. Mas sequer são lembrados pela imprensa tradicional. Hoje seria um dia para celebrar a sua memória.

No dia 02 de maio de 1997 morreu Paulo Freire. Já se vão 24 anos. Em 2021 ele faria 100 anos. São muitas homenagens mundo afora, eventos organizados por universidades, entidades da sociedade civil, movimentos sociais e governos. Não era por menos, já que um cidadão do mundo, um homem respeitável, compõe a lista de pessoas memoráveis, seres humanos que se tornaram, na sua condição comum de gente do povo, balizas morais, políticas, intelectuais que nos guiam neste vale de lágrimas, mas de sonhos e alegrias também. Viva Paulo Freire!

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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4 Comentários

  1. Jorge Alves de Oliveira

    Daí a importância da contínua reflexão filosófica sobre a educação (Filosofia da Educação). Mais do que executar os programas, os planos e se adaptar ao que é posto como novo, identificar a que veio, a que se prestam.

  2. Louvavel e lúcida homenagem. Paulo Freire representa tudo isso e muito mais. Me sinto representada. Parabéns.

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