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Onde está, ó morte, a sua vitória?

Na primeira epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo nos adverte sobre um sentido cristão possível para a morte. Quem de nós não passou pelo sofrimento da perda de um ente querido? Quem de nós nunca pensou, talvez com medo, receio e desesperança, na condição da finitude? Alguns reagem bem, naturalmente. Outros nem tanto. Cada um tem seus motivos e, na humanidade em que estamos inseridos, interpreta o sentido da morte à sua maneira.

Nas últimas semanas, mergulhei em leituras já feitas e algumas outras novas, que analisam a condição humana de Jesus de Nazaré. Sempre fui, por razões da própria experiência, fascinado por esse homem da Galileia. Um judeu praticante, de condição social inferior, cujas controvérsias sobre a sua experiência histórica sempre estiveram em análise por historiadores, teólogos, filósofos e cientistas da religião. Não é fácil, devido aos desdobramentos históricos posteriores ao “movimento de Jesus”, considerar uma única interpretação, sobre quem foi, afinal, Jesus de Nazaré. Há razões históricas fortes para considerar sua humanidade. E razões de fé, igualmente sólidas, para defender sua mensagem humanizadora.

Para além das estruturas clericais, muitas vezes redutoras da experiência de fé, empobrecidas pelos sentidos que muitas das compreensões mistificadoras produziram, creio haver razões teológicas e históricas suficientes para pensar a experiência vital e, contida nela a nossa finitude, a partir não de uma mistificação, mas de uma condição humana, humanizadora.

Jesus de Nazaré indica um sentido além da pobreza de experiências baseadas na tradição, na lei, em conceitos e significados fechados. Com exemplos concretos, coloca uma nova perspectiva para a existência, a que vivamos uma vida que, nela própria, possamos superar o que não tão bom existe em nós. Não se trata de uma prescrição moral, mas um sentido ético possível, uma ressurreição, a superação das diversas mortes que nos acometem diariamente.

Há uma morte social e política que nos atormenta hodiernamente, uma ordem social injusta, uma condução das condições de bem-estar e saúde que certamente se caracterizam como desumanização. E milhares têm sido as vítimas. Amigos, amigas, parentes próximos, colegas, muitas pessoas conhecidas ou não.

Algumas dessas pessoas que deixaram este plano, conseguiram significar suas vidas na perspectiva da ressurreição, de uma vida além dos limites humanos. Dentre elas, amigos próximos que morreram vítimas da COVID 19. Uma grande comoção tomou conta de nossos contatos e redes sociais pela passagem do Dr. Edson Rocha e de sua esposa, Rose. A tristeza é grande, ela nos afeta significativamente. No entanto, mesmo com a humanidade de viver a dor, considerar que suas vidas foram plenas, que viveram com honestidade, amor e dedicação, nos leva a um consolo possível, dentro das condições dessa tristeza.

Essas pessoas são e foram expressões do sonho de Jesus de Nazaré, esse homem cujo mergulho na condição humana, inclusive com o assumir de uma morte violenta, deixou uma proposta de sentido que pode nos fazer relativizar a morte. É a vida levada à sério, do ponto de vista ético, que realmente dá o sentido de ressurreição diante do inevitável da morte física.

O apóstolo Paulo, que criou este sentido exponencial da esperança cristã, uma dimensão universal da proposta de Jesus de Nazaré, estava teologicamente certo, mesmo que fosse um homem marcado pela experiência moralizante da religião judaica de seu tempo.

Haveremos de superar a visão materialista que nos vincula a um tempo e uma vida social, temendo a morte física, mesmo que seja nossa obrigação evitá-la com cuidado e responsabilidade. Sabedores de que o que fizermos com a nossa experiência, como por exemplo o sentido dado por Jesus de Nazaré, viveremos mais e melhor.

E a responsabilidade que nos cabe, inclui combater todos sentidos de morte que nos afetam. Inclusive as mortes evitáveis pela desonestidade dos que nos governam. Há um sentido de justiça que sobrepujará esse ódio e esse desprezo pela vida, opostos à ressurreição e ao amor fraterno.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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