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Galdino: aquele que comanda

O ano era 1985. Estávamos eu e meu grande amigo Edilson Graciolli cursando filosofia no Seminário Diocesano de Jundiaí. Ele mais avançado, no segundo ano, e eu no primeiro. Vínhamos de experiências militantes nas pastorais sociais da igreja católica e já estávamos “contaminados” com as ideias progressistas da Teologia da Libertação, inspirados em grande medida pela Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e as obras lidas e relidas de Leonardo Boff. Tínhamos mestres admiráveis que nos ensinavam que era possível associar a luta social e política à fé cristã. Um deles era o Padre Paulo André Labrosse, um antigo religioso vicentino que se tornara padre e coordenava a pastoral diocesana.

Mas nós não nos encontramos ali. Mantivemos a fé inabalável em um Deus da libertação, contra toda mistificação, toda alienação religiosa, nunca perdendo de vista a opção preferencial pelos pobres. E foi esta condição inicial de jovens militantes católicos que nos lançou no mundo da política. Edilson, como líder nato, seguiu na frente, chegando à presidência do Partido dos Trabalhadores de Jundiaí naquela segunda metade dos anos 80. Logo na sequência eu me filiei e passei a participar do movimento, já formado em Filosofia, exercendo a docência na rede estadual de ensino e atuando no movimento sindical dos professores. E foi nesta esfera, a partidária, que conhecemos personalidades políticas que marcariam a nossa trajetória.

Erazê Martinho e Antônio Galdino eram as mais destacadas. E com a influência fundamental deles, nossos professores, digamos, mergulhamos nas atividades partidárias. Edilson chegou a ser candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Galdino e eu, candidato a vereador em duas ocasiões.

Mas foi um episódio em especial que marcou minha relação com Antônio Galdino. Em 1995, ele e o engenheiro Greiner Costa lançaram uma proposta de candidatura a prefeito, com um nome que não figurava nos quadros mais militantes do partido. Pedro Bigardi, antigo filiado, desde o início da legenda na cidade, atuava como engenheiro na prefeitura de Jundiaí. O nome se tornou consenso como indicação de uma ala de militantes específica. As relações com Galdino se tornaram intensas. Como ele residia perto da casa dos meus pais, frequentava sua casa com muita liberdade. Foi ele que me cedeu muitos materiais de pesquisa sobre a luta dos trabalhadores têxteis em Jundiaí, que guardo com muito carinho até hoje. Este material levou à publicação de alguns trabalhos em revistas, quando fiz menção à liderança de Galdino. Como minha mãe fora trabalhadora têxtil exatamente na década em que ele tentava quebrar a hegemonia na diretoria do sindicato, as nossas experiências históricas se cruzaram naquele momento.

Foram muitas reuniões naquele quartinho dos fundos, naquele pequeno grupo que contava ainda com outros amigos, com a Claudia Sartori, incansável presença na vida do velho,  quando discutíamos uma proposta para o plano de governo de Pedro Bigardi, que a esta altura já havia vencido as prévias partidárias. Minha candidatura em 1996 foi um início, levando-me a uma suplência em 2000. Mas naquele ano tudo mudaria na minha trajetória. Um outro gesto de Galdino viria. Ele sempre passava com a Deolinda na frente da casa dos meus pais. Normalmente conversavam com minha mãe. Em dezembro daquele ano minha mãe faleceu. E Galdino esteve no velório, mesmo que com a confusão dos horários antecipados do enterro, me prestando solidariedade e demonstrando sua amizade.

Já escrevi um artigo sobre o Erazê, outro que me ajudou em muitas situações. E hoje, exatamente no dia do meu aniversário, o velho resolveu partir para outro plano. É uma situação para não esquecer jamais. Além das marcas que ele deixou na minha vida e de muitas pessoas que o admiravam, ficará esta, de ter escolhido morrer no dia do meu aniversário.

Sou eternamente grato aos ensinamentos, às vivências e aprendizagens deste velho líder, “briguento” por natureza, mas de racionalidade fina e sentimentos de solidariedade além da conta. Galdino, “aquele que comanda”, tem no próprio nome a marca da liderança e manterá sua influência sobre todos e todas nós.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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Um Comentário

  1. WILSON ROBERTO CAVEDEN

    Grande Galdino!!!

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