No célebre romance de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, adaptado para o cinema pelo cineasta François Truffaut, num futuro distante a leitura seria completamente proibida e os livros deveriam ser incinerados. A crítica do autor se dirige aos modelos de sociedade e instituições que vislumbram como antissocial e hedonista a manifestação livre de opiniões.
Num dos trechos do filme, no diálogo entre o personagem principal, o bombeiro (aqueles que se ocupavam de incinerar os livros) Guy Montag e seu superior, fica patente a ignomínia social antirracionalista. Ao descobrir uma biblioteca clandestina (cena paradoxalmente parecida com uma outra, de “O Nome da Rosa”), diz o superior ao bombeiro: “Toda essa filosofia, vamos nos livrar dela. É ainda pior que os romances. Pensadores, filósofos, todos dizem exatamente a mesma coisa: eu é que tenho razão, todos os outros são idiotas. Em um século, dizem-nos que o destino do homem está predefinido. No seguinte, dizem que ele tem liberdade de escolha. Não passa de uma moda, só isso. Filosofia.”
Nesta fala subjaz a denuncia aos mecanismos de alienação e desprezo pelo conhecimento, que pode ser verificado cotidianamente nas formas de contraposição ao pensar filosófico que, consciente ou inconscientemente, muitos reproduzem, como os imbecis citados pelo filósofo espanhol Fernando Savater em seu livro “Ética para meu filho”. Papagaiando meia dúzia de bobagens primárias e sem sentido, supõem que seu pensar (que não deve ser desprezado num processo dialógico, obviamente), está acima de qualquer suspeita. Como se, igualmente à denúncia que aparece no diálogo do filme, os filósofos é que fossem, ao contrário, defensores de causas absolutas. Nada mais desproposital.
Quem está minimamente familiarizado com os pressupostos da filosofia, saberá que a base da elaboração de razões aceitáveis e consensuais é o processo ao qual Jurgen Habermas chama de “Agir Comunicativo” e que o educador brasileiro, Paulo Freire chamava de “Ação Dialógica”. Por medo do diálogo, as instituições amordaçam os indivíduos, que como macaquinhos amestrados do circo de variedades (com todo respeito que se deve aos nossos colegas primatas) ficam cutucando com irracionalidades o que é do plano da racionalidade. Por essa razão, talvez, os filósofos não consigam aderir incondicionalmente a nenhuma causa absoluta, porque a suspeita é sua matéria prima.
Por fim, na obra de Bradbury, os homens-livro são aquelas pessoas que, por força de uma sociedade reacionária, precisam decorar obras inteiras, para preservar a memória do conhecimento desprezado. Uma boa dica para quem está ingressando no mundo acadêmico.