Início dos anos 80. Estávamos num bando de seminaristas, apinhados num micro-ônibus, em direção à cidade de Campinas para assistir uma palestra. O ilustre a quem ouviríamos já causava desconfortos. Foi meu primeiro contato visual e a primeira vez em que o ouvi presencialmente, muito embora seus livros já amontoassem aos montes em minha biblioteca pessoal. No ano seguinte, eu teria a felicidade de ouvir um de seus referenciais primeiros, Dom Helder, o bispo dos pobres.
Mais de uma década depois houve o segundo momento, inusitado, numa bienal do livro em São Paulo. Estava lá sentado, sozinho. Fui ao seu encontro e uma conversa “particular” se estendeu durante quase 10 minutos. Falávamos de sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, por aquelas semanas. E veio um autógrafo em um de seus livros mais ecológicos.
Sua presença sempre foi uma constante, não por uma veneração qualquer, mas como referência intelectual. Em minhas andanças pela academia, minha modesta produção teve sempre alguma marca de seu trabalho. Assim foi no mestrado, quando estudei a Pastoral da Juventude e no doutorado, quando aproximei dois expoentes do pensamento mundial que ele conhece profundamente, Paulo Freire e Jürgen Habermas.
E na última semana veio o terceiro encontro, com direito a um novo autógrafo no mesmo livro, já amarelado, daquele momento da bienal. Uma nova rápida conversa e meus livros entregues como gratidão pelas contribuições à minha formação.
Uma noite plenificada por uma fala interminável, complexa, densa, cativante de quase uma hora e meia. Uma fala especial, em meio a tantas informações, observações, análises. Uma simples frase, que significou emocionadamente um toque sublime na alma, que creio eu, atinge a todos os seres humanos. Diante do paradoxal momento de crise em que nos encontramos, o fim possível do planeta e da raça humana, todos têm sentimentos em favor da permanência da vida, algo que ele chamou de “vontade de viver”. Há tanto por fazer, tantas idiossincrasias a superar. Coletiva e singularmente, ensejamos viver mais e melhor. Essa sustentabilidade é ontológica, nada ideológica, própria da condição humana. Não é um discurso do mercado, nem sai das bocas dos projetos assistencialistas que pensam fazer grandes coisas pela humanidade. Sai do coração, do desejo de superar a injustiça profunda, com ações libertadoras. E neste percurso de quase quarenta anos, iniciado por volta de 1980, senti-me recompensado, depois de tantas amarguras e desesperanças. Leonardo Boff, o intelectual em questão, não é nenhuma novidade para mim, nem para tantos outros que abraçam as causas da libertação.