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O Horizonte E O Chão

O horizonte nunca deveria nos faltar. Como galinhas, vivemos ciscando e olhando para o chão, como bem alertou Leonardo Boff em um de seus livros clássicos. Aliar a tarefa do cuidar do prático sem perder de vista o horizonte, não é tão simples assim. Alguns preferem continuar ciscando.

Nesta semana, um encontro com uma importante educadora freireana, serviu para lavar a alma neste aspecto. Discutíamos justamente como é impossível dissociar o teórico do prático. Uma prática pedagógica sem fundamento é manca. E um discurso pedagógico não se sustenta sem a ação. Mas a ojeriza é contra os que vivem da atividade intelectual, a quem muitos chamam de “academicistas”. Já que vivem do “mundo da prática”, esses tais abdicam do pensar, capacidade que muitas vezes não querem desenvolver, dizendo que têm coisas mais emergentes para “fazer”, como se pensar não fosse um fazer.

No meio acadêmico, ao contrário, há um intenso debate sobre a carência de lideranças locais e nacionais que pensem um projeto para a sociedade brasileira. Milton Santos morreu dizendo isso. Perdidos em meio a planilhas, muitos se esquecem de que há um horizonte a nos espreitar e que o pragmatismo do agora, por mais causas emergentes necessárias que tenhamos (e temos mesmo, muitas) depende de outra forma de atuação, conjunta ao fazer, que é o investimento em reflexão profunda. Assumir o discurso da necessidade do agir sem pensar é justificar a colonização mental.

Dizem que os visionários desapareceram porque já não há mais mundos intelectuais a desbravar. Pode ser. Em meio a uma ciência que discute a cabeça do alfinete, perde-se a noção de que existe um alfinete. A disseminação da pesquisa científica se dá por vias tortas, muitas vezes. Como costumo dizer, o especialista é aquele que sabe tudo sobre nada e nada sobre tudo. Ou seja, perdeu a visão do todo para se jogar no plano das particularidades, necessárias, mas deslocadas de finalidades mais abrangentes. E assim, os procedimentos ganham mais importância do que os princípios e perde volume o debate público sobre o quadro prospectivo.

Não há relação de prioridade entre a agir e pensar, já que estas dimensões da experiência humana estão entrelaçadas e são indissociáveis. Quem faz, deveria pensar e quem pensa, deveria agir. O problema está no grau que importância que damos a uma e a outra dimensão. Para mim, modestamente, é preferível que o pensar ganhe corpo, já que no mundo social e político, o que está em voga é o pragmatismo. No debate sobre o que fazer, faltam fundamentos sólidos, que só se encontram no mundo da reflexão teórica.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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