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Um Cansaço de Soluções

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izem as más línguas que os filósofos têm um problema para cada solução. Enquanto muitos se esforçam por buscar soluções para os problemas, a gente fica vagando na abstração, como ressalta a fala do senso comum. Em parte há uma verdade nisso. Se a vida é um eterno resolver de problemas, muitos deles ficam sem solução e a gente se cansa de buscá-las, porque elas são fruto de contextos complexos e nunca iremos saná-los na sua totalidade.

E vem o cansaço, não de desânimo ou desesperança, mas de viver nessa roda viva, estonteante e alienante do “ter que” dar um fim às coisas. Desprezo pela abstração, isso para mim é um problema. Um problema educacional. Educados no pragmatismo do nada esperar, na ansiedade do ter e do fazer, desde cedo milhares de adolescentes e jovens vão adoecendo, entrando nessa corrente sem fim da busca de satisfação.

Os adultos também não escapam, nunca estão sossegados, sempre perseguindo algum motivo para viver. E não percebem que o motivo pode ser a própria vida, o fato de estarmos vivos. Tem coisa que não tem solução mesmo. Fica para depois. E abstraímos, então, pensando em algo além do concreto. Ao contrário do que se imagina, a abstração é o avesso da alienação. Enquanto abstraímos, vagamos no mar da criatividade, mas uma criatividade que não necessariamente deve se pautar pela busca de fins pragmáticos.

Se for verdade que a Filosofia nunca está descolada da vida, da finalidade prática que ela nos solicita, por outro lado, no turbilhão da pragmaticidade, perdemos a capacidade de “abstrair”, ou seja, de retirar elementos de análise e compreensão que só emergem na medida de certo distanciamento consciente do mundo prático. O que está turvo não pode ser visto. O barulho impede a escuta. A falação impede a interiorização.

A estimulação sensorial exacerbada provoca o deslocamento do espaço mental para realidades menos proporcionadoras da capacidade de pensar. Será que temos que resolver tudo mesmo? Gosto da ideia de que as soluções para os problemas aparentemente insolúveis aparecem com o tempo da reflexão, um tempo não cronológico, mas de percepção espacial e temporal complexa, além do imediato das aparentes necessidades.

Aquilo que pode aparecer como um “empurrar com a barriga”, acaba sendo a maturação da boa decisão, a moderação e a ponderação das variáveis, a facilitação do afeto entre os pensantes, para que, menos comprometidos com suas versões sobre o que é ou deve ser a solução de um problema, acabem por se encontrar solidariamente no percurso, vendo a solução vir por si mesma, construída por muitas mãos e cabeças.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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