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Riscos da Existência

Inspirados em filósofos como José Ortega Y Gasset, muitos estudiosos da filosofia destacam que não há como separar o que somos das circunstâncias em que nos inserimos. Tudo é aprendizado e mudança, nada é definitivo. Para Gasset, existe uma razão vital que supera a razão por ela mesma, descolada do mundo sensível, que acentua o fato de que tudo é relativo. Apesar de inspirar boa parte do pensamento conservador no Brasil, Gasset também pode ser relacionado ao discurso de pensadores que analisam o processo de formação humana e se dedicam aos estudos no campo da ontologia, pregando o sentido aberto da vida. Paulo Freire falava em inacabamento e, muito embora venha de outra escola de pensamento, vê o ainda não realizado, o inédito-viável, não como uma impossibilidade, mas como intenção de novas construções históricas.

Há perigo no existir, dizem alguns dos seguidores de Gasset. Mas esse perigo também é relativo. Podemos aceitar ou não os limites que nos são impostos, em dadas circunstâncias. Criados para a passividade e a aceitação resignada provenientes das violências simbólicas e diretas que emanam do social, nem sempre devemos ser coniventes com o controle, os interditos à comunicação e à boa convivência. Não é fácil existir, nem muito menos conviver. Por vezes nosso discurso em favor do respeito às diferenças, se perde em práticas centralizadoras, opressivas, intolerantes. A coletividade exige muito esforço do indivíduo. Em função das invasões culturais, dos efeitos de uma razão instrumental, que sempre ressalta o plano das individualidades, anula-se o sentido da vida centrada no interesse comum.

O risco de nos considerarmos sabedores demais, capazes demais, únicos, se torna muito ameaçador. As subjetividades, que nada tem que ver com individualismos puros, muitas vezes são sufocadas quando assumimos esse papel, direta ou indiretamente, de anular a percepção do outro sob o manto de uma suposta razão acima da experiência sensível, como apontava Gasset. Cada experiência sensível é única.

Em qualquer projeto coletivo, sempre existe o risco de aparecer a exacerbação do eu em detrimento do nós. Existe o risco de aparecer a comparação entre capacidades, o apontamento de falhas no outro, o assoberbamento. Mas, como um processo aberto, existe também a possibilidade da revisão, do refazer o pensar e o agir, para, quem sabe, prevalecer o interesse comum. Tarefa hercúlea, sobretudo em tempos de multiplicidade de olhares vesgos, que esse movimento torto chamado de “pós-modernidade”, proporcionou nas últimas décadas. Em nome dessa multiplicidade, vencem o egoísmo, o pragmatismo e a competição. Nada mais neoliberal.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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