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Poeta, o filósofo manda abraços ao criador

A gente vai andando pela vida sem parar. Mas como diz a linda música de Milton Nascimento e Fernando Brant, “Encontros e Despedidas”, tem hora de chegar e hora de partir. Tem gente que chega para ficar, tem gente que vai pra nunca mais…Por vezes, pessoas próximas e queridas vão cedo demais. Por outras, bem proximamente, a vida vai se renovando com as alegrias da chegada…

Durante mais de 25 anos fui articulista do Jornal de Jundiaí Regional. Na minha coleção de cerca de 500 artigos publicados, há alguns que muito me tocam. Em 2012 resolvi publicar um livro com uma coletânea composta por eles. O artigo que motiva este texto foi publicado em 20 de junho de 2007. Nele falo de um amigo com quem convivi alguns anos e que proporcionou uma situação de vida bem apropriada para minhas aulas de ética. Este amigo pegou o trem na estaçãozinha bonita do cotidiano no dia de ontem e partiu para nunca mais. Por esta razão, resolvi homenageá-lo com a reprodução do artigo em meu site e compartilhar com os amigos. O vi pela última vez em uma palestra sobre Paulo Freire, que ministrei no ateliê de Alice Vilhena, alguns anos atrás.

O poeta Oswaldo Antônio Begiato, o Vadinho, escreveu não sei quantas páginas de beleza em sua vida. Reconhecimento em todos os cantos do cosmo. E certamente, lá no canto superior, ele fará sucesso lírico a ponto de emocionar o criador.

Aproveito a oportunidade, meu velho amigo Vadinho, para mandar um abraço para o chefão aí de cima. Peça a ele para dar uma forcinha aqui pra nós, porque como disse o Chico Buarque, “a coisa aqui tá preta”. Vai com Deus, poeta.

 

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O Exemplo de Vadinho

(publicado no Jornal de Jundiaí em 20.06.2007 e no livro “20 anos depois – reflexões sobre o cotidiano”, em 2012.)

Li com interesse, e porque não dizer com certa emoção, a matéria de Viviane Rodrigues publicada no último dia 13 de junho (Aposentado mostra honestidade ao entregar R$ 650,00 em dinheiro encontrado na rua). Por uma dessas coincidências da vida, conheço o aposentado em questão, Oswaldo Antônio Begiato, chamado carinhosamente pelos seus mais próximos, de “Vadinho”. Sei que ele é um poeta de mão cheia. E aos poetas é dado o dom da sensibilidade. Vadinho disse que devolveu o dinheiro encontrado na rua porque aprendeu honestidade com a família e que seus três filhos viram sua atitude como “normal”.

            Nos meus longos anos como professor de ética, nunca me esqueço de dizer aos meus alunos que nesta matéria o exemplo é o que conta. O próprio Vadinho explica que para cobrar é preciso dar exemplo, não só perceber erros nas ações alheias: “muitos reclamam dos ladrões do congresso e quando fazemos o que é certo somos criticados. Para criticar é preciso fazer a sua parte”. São exemplos que fazem a diferença no difícil processo da formação da consciência ética, uma matéria que pode ser ensinada teoricamente, mas que nem sempre surte efeitos nos que se encontram na condição de estudante. Certamente o exemplo de Vadinho foi aprendido com o exemplo de seu pai. E aí reside uma questão importante. Os pais muitas vezes supõem que não devem interpelar seus filhos quando estes transgridem a ética e inventam mil justificativas para poupá-los das consequências de seus atos (a culpa é sempre dos outros, são apenas brincadeiras de jovens, coisas do gênero). Aqui não há nenhuma dose de moralismo da minha parte, apenas creio que precisamos um pouco mais de atenção para com o que fazemos com nossas crianças e jovens. Educar é dar exemplo, inclusive o exemplo moral de que normas mínimas de convívio devem ser respeitadas, principalmente devido ao respeito que devemos ter aos outros.

            Paulo Freire escreveu uma longa carta em um de seus livros, indignando-se com a atitude daqueles jovens que assassinaram o índio Pataxó, Galdino dos Santos. Freire dizia que muito provavelmente quando crianças, eles aprenderam a maltratar animais, desrespeitar regras mínimas de convivência, confundindo liberdade com licenciosidade. Chegamos ao tema fundamental da ética, que é a questão da liberdade. Ser livre, conforme diz o filósofo espanhol Fernando Savater, é ser capaz de escolher entre o que nos convém e o que não nos convém. A ética depende da escolha. Cada escolha leva a determinadas consequências para nós e para os outros. Saber medir a dimensão e a extensão de nossas escolhas é fundamental, porque as consequências podem ser prejudiciais para nós mesmos e para os outros. Há aqueles que, conscientemente, escolhem, por caprichos ou atitudes narcísicas, “sobressair-se aos demais”, dando exemplos ao contrário, os contraexemplos. São os que assumem o papel de “espertinho”, querendo levar alguma vantagem pessoal em alguma coisa. O pior é que muitos acham que nem toda ação de gravidade “menor” deve sofrer sanção compatível. Certamente não estamos aqui defendendo a redução da maioridade penal, por exemplo, mas faz-se premente que pais e educadores possam constituir-se como exemplos, não titubeando frente às atitudes insanas e inconsequentes de seus filhos e educandos. Um deslize nosso, a aceitação passiva de uma transgressão ética de nossos pupilos, pode levá-los a achar normal continuar agindo impunemente.

            Na angústia de não recairmos no controle moral exacerbado, muitas vezes acabamos negando a necessidade da aprendizagem da boa conduta moral, aquela que segue determinadas normas prescritas e costumes que vamos incorporando da nossa cultura. Ser livre, neste caso é escolher seguir padrões que se fundamentam no desejo de garantir o bom convívio.

            Um pai que dá exemplo ajuda a garantir minimamente a continuidade dos bons valores. Seus filhos verão como normais suas atitudes, que se tornam “escolhas naturais”. O mesmo pode-se dizer dos que se dedicam à tarefa de educar. Se há hoje um grande déficit de habilidades sociais em boa parte de nossos alunos, a escola tem que aceitar o desafio de rediscutir seu dinamismo interno, não só atraindo a atenção dos alunos para sua própria capacidade em avaliar e assumir valores mais elevados, como fazer com que eles participem da elaboração das normas de convivência.

            E neste caso, os educadores necessitarão de uma competência ética fundamental. Alguns deveriam aprender com certos pais, como o Vadinho, com seus exemplos singelos de como a honestidade e a boa conduta são escolhas mais adequadas.

 

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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