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Patrimônio Histórico

Um artigo em especial, nesses meus 21 anos de Jornal de Jundiaí, veio à lembrança na última semana. Num debate do qual participei, anos atrás, um agente público disse que a concha acústica do Parque da Uva não era peça constituinte do patrimônio histórico e, por essa razão foi “tombada”, literalmente. Por razões do ofício, recorri no referido artigo, a um grande historiador, Pierre Nora, e a uma de suas mais importantes obras, “Les lieux de mémoire” – Os lugares da memória -. Ele aponta que não há como dissociar o vivido dos bens materiais. A memória, os sentimentos, as experiências subjetivas, são realçadas em um local, no acesso a um livro, na iconografia, mantendo em evidência o que um sujeito individual ou coletivo experimentou historicamente.

O que salta aos olhos quando o assunto é patrimônio histórico é a prevalência de um discurso tecnicista, restrito às preocupações de ordem meramente material, que relega o debate público sobre o que é digno de ser preservado – e por quem -, a um segundo plano. Uma política pública de preservação de patrimônio não é feita por iluminados, deve comportar a presença dos cidadãos que, mesmo desprovidos de saberes técnicos, representam interesses culturais imateriais: um membro da comunidade negra, por exemplo. A cultura está para além do que imaginamos preservar em espaços físicos, daí a importância do anúncio do poder público em cumprir uma exigência da cidadania, criando efetivamente um departamento de patrimônio histórico.

Fui aluno de uma das maiores historiadoras sociais brasileiras, Déa Ribeiro Fenelon, que foi diretora do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura do município de São Paulo. Ela dizia que a história é o estudo do presente, iluminando subjetivamente o passado para dar sentido a um futuro que queremos construir. Ao contrário de cristalizar o passado, devemos desenvolver um ponto de vista crítico sobre o presente. Todos os que gravitam no trabalho de preservação do patrimônio histórico devem se dedicar a algo mais complexo, fazer emergir bens imateriais, representações culturais obscurecidas por um passado tomado como fato acabado. Neste aspecto, os recursos da história oral, raramente utilizados como metodologia de preservação, são imprescindíveis. Sem querer desmerecer o trabalho dedicado dos técnicos, que se preocupam em ajudar a preservar os bens materiais, há que se pensar em promover um debate amplo, em que a própria técnica seja ressignificada, servindo a uma causa que vai além do papel e da lei, que é o direito social à memória.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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