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OS 92 ANOS DE HABERMAS

Jürgen Habermas se destaca como um dos maiores filósofos contemporâneos. No último dia 18 ele completou 92 anos de idade. Associado inicialmente à Teoria Crítica da Sociedade e aos filósofos da primeira geração da Escola de Frankfurt, manteve alguns fundamentos provindos desta escola de pensamento na elaboração de sua visão autônoma e genuína da filosofia, avançando na leitura esperançosa sobre as possibilidades de um processo de emancipação. Emancipação esta, entendida não como simples superação dos limites econômicos, políticos, mas como a possibilidade de consolidação de uma comunidade ideal de fala, condição utópica de comunicação qualificada entre os homens e mulheres.

Certamente defende condições técnicas imprescindíveis para atingir esta epata do desenvolvimento humano, mas escolhe o potencial comunicativo como o imperativo para o reordenamento do universalismo ético-transformador iniciado nos primórdios da modernidade. Sua Teoria do Agir Comunicativo se caracteriza como uma das mais genuínas produções intelectuais do século 20, com implicações sobre diversas áreas do conhecimento. No caso da educação, esta teoria, enquanto propõe a comunicação intersubjetiva esclarecida e a argumentação como mecanismos centrais educativos, se inclui, como uma pedagogia do agir comunicativo, no campo das grandes teorias educacionais progressistas.

No final de sua vida, Paulo Freire foi incluído no rol dos educadores que fazem parte de uma Teoria Crítica, inclusive sendo considerado o “Pai da Pedagogia Crítica”. Sua aproximação com Habermas é atestada por um encontro agendado, que nunca aconteceu, devido à morte de Freire. Ambos defensores de uma teoria da comunicação sustentada em um diálogo qualificado, têm sido aproximados em vários estudos sobre as relações educacionais democráticas e sobre uma ética universalista possível como cerne do processo educativo.

Habermas, assim como Freire é alvo de muitas controvérsias, tanto sugeridas por grupos à direita, quanto à esquerda. Reação muito comum para teorias que se constituem como polissemias da razão, que se sustentam em pressupostos teóricos aceitáveis e legítimos, provindos de vários estratos do pensamento progressista. Justamente por se colocarem distantes dos reducionismos e enquadramentos que as ortodoxias sugerem, são criticados como idealistas, não-críticos, ajustados ao sistema e, paradoxalmente, como autores associados ao marxismo ortodoxo.

Numa dessas críticas, Habermas é incluído no que alguns autores convencionaram chamar de “epistemologias do Norte”, que seriam as bases teóricas importantes para a reflexão mais alargadas, mas insuficientes para compreender a superioridade interpretativa das “epistemologias do Sul” em relação aos dilemas vividos na periferia do planeta. Vários estudos desmistificam esta visão dualista simplista conceitualmente, já que há sensibilidades teóricas no norte tanto quanto há mecanismos de dominação engendrados no sul. Injustamente Habermas é visto como um autor insuficiente teoricamente para perceber as necessidades dos países marginalizados, como se houvesse uma suficiência teórica.

No entanto, várias de suas publicações demonstram o contrário. Há inclusive autores brasileiros que já lhe apontaram com respeito caminhos de reflexão abertos para ampliar sua sensibilidade, o que foi cordialmente aceito.

O que importa, no entanto, é ressaltar que este gigante da filosofia contemporânea permanecerá vivo como referência intelectual para a compreensão dos dilemas que afetam a humanidade como um todo. No campo das teorias dos Direitos Humanos, Habermas tem sido uma das maiores inspirações para a consolidação de normas e princípios fundantes e garantidores da universalização de direitos. Tem se manifestado em favor das diversas minorias sofredoras, como imigrantes, povos latino-americanos afetados por desigualdades econômicas e culturais, em favor das formas democráticas de convívio, de que os interesses nacionais não devem ser controlados pelo setor financeiro, em favor da defesa do direito de asilo, da solidariedade entre os seres humanos. Uma de suas obras mais importantes relacionadas às atuais condições políticas, “A inclusão do outro” é uma consistente defesa do “Estado democrático de direito”, tão caro às frágeis democracias liberais afetadas pelos avanços conservadores. Denegar estas contribuições constitui-se numa clara postura, essa sim, de insensibilidade intelectual.

Particularmente, como um estudioso de sua “Ética do Discurso”, um desdobramento de sua Teoria do Agir Comunicativo, creio que há muito mais razões para incluir este grande filósofo no campo das lutas e das críticas às assimetrias de toda natureza – econômicas, políticas, culturais, sociais – que desconsiderá-lo pela sua suposta insensibilidade ou inoperância teórica. Como há muita vaidade no mundo intelectual, imaginar que este gigante ficaria ileso a críticas seria recair no plano da ingenuidade.

Habermas parece subsistir a estas críticas, inclusive perpassando quase um século de vida, produzindo reflexões abertas, culturalmente situadas – negar esta condição também é um desvio teórico – observando desde os impactos de uma visão científica positivista sobre as ciências sociais e humanas, os desmantelamentos das democracias pelos regimes autoritários e os conservadorismos da atualidade, sempre interpretando à sua maneira estas duras realidades históricas e creditando ao potencial comunicativo um valor estratégico para superá-las.

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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