Home / Destaque / O Caminho de Volta

O Caminho de Volta

Todo brasileiro deveria ter a chance de conhecer Portugal. Os custos ainda são altos e uma estadia básica como turista não é tão fácil de se conquistar com o suor do rosto. Juntei algumas economias de muitos anos, que poderiam e deveriam ser investidas em outras necessidades, mas a oportunidade falou mais alto. Afinal, aprimorar meus estudos após uma longa carreira é situação que não se desperdiça. Pedi o apoio da patroa e aqui estou. Um caminho de volta, que penso, para entender contextos históricos mais amplos no Brasil é de salutar importância. Caminho de volta porque os portugueses estiveram aí, depois dos reais proprietários da nossa terra. E a maioria de nós, nada autoctones, temos uma história de empréstimo desse território imenso e cheio de vida que é o Brasil.  E alguns como eu, podem fazer esse caminho de volta, para o continente europeu.

A primeira impressão é boa. Um país pequeno, de dimensões bem modestas em relação ao Brasil. Parece muito mais organizado. Os transportes funcionam bem e muito integrados. Em cidades como Lisboa, a ligação entre aeroporto, metrô, trens, ônibus e até barcos é muito eficiente. No Porto também, tudo muito organizado. Não sei dizer ainda se todas as áreas são servidas, mas o mapa das linhas parece indicar que sim. Aqui se valorizam todas as conquistas sociais. Tanto a esquerda hoje no poder por meio de uma coalizão, como a direita, parecem girar em torno do ideal social democrata e não se abre mão de serviços públicos como a escola pública, a saúde pública. Evidentemente há tensões e variações no tom dessa defesa do interesse público, mas não há como abrir mão delas, mesmo que a direita tenha suas preferências pelo investimento privado, pelo menos por enquanto não conseguirá mudar este quadro, já que as forças mais à esquerda governam o país.

Mas nem tudo são flores. Há mendigos nas ruas, moradores de rua, pedintes pobres, muitos não desejando ser acolhidos em albergues, que existem vários. Serviços de menor qualificação também exigem algumas habilidades, como falar inglês e francês. Garçons e atendentes do comércio, em grande medida dominam os códigos básicos da comunicação oral nestas línguas. Muitos imigrantes. Muitos brasileiros. No comércio, asiáticos como proprietários ou funcionários. Indianos, marroquinos, paquistaneses, chineses e membros de países africanos de língua portuguesa.

O ensino público tem passado por um processo de aprimoramento no debate pedagógico. O governo da república propõe diminuir o número de alunos por sala de aula, aumentar a autonomia curricular das escolas e definir o ano letivo por semestres, para garantir a ideia de processo. Um professor de ensino fundamental recebe em média mil euros relativamente ao início da carreira, o equivalente a 4,7 mil reais. Na medida que progride na carreira, seu salário pode chegar a ser bem próximo do professor da universidade pública. O salário mínimo em Portugal é de cerca 600 euros. Mas não podemos fazer uma correlação de valor entre as moedas no que se refere ao dia a dia.

Para um brasileiro não é fácil fazer compras no cartão de crédito pagando em euros aqui e convertendo

em reais aí. Não sei ainda sobre os meandros da vida cotidiana nas escolas. Pretendo descobrir conversando com os mestres daqui e vendo a realidade in loco.

Contabilizei 15 universidades públicas, que atendem um total de cerca de 200 mil alunos. As maiores são a Universidade de Lisboa, com 50 mil alunos; a do Porto, com 32 mil e a de Coimbra, com 24 mil. Esta última, está em 15o. lugar entre as 54 universidades mais antigas do mundo, tendo sido fundada em 1290. Também muito conhecidas são as Universidades do Minho e de Aveiro. Há uma rede de universidades particulares. Meu objetivo é investigar em algumas destas universidades, qual a extensão e a influência do pensamento do educador Paulo Freire.

O turismo tem impulsionado em grande medida a economia portuguesa. E há razões para explicar o interesse pelo país. Existe uma efervescência cultural enorme em Portugal, decorrente de sua presença na história mundial. Praticamente em todas as cidades mais antigas há locais de interesse turístico, como museus, palácios, castelos medievais, fundações, monumentos, espaços públicos, etc.

Em Lisboa, ao Sul, destaco a efetividade e o simbolismo eloquente da fundação Saramago, que se dedica à memória do escritor português, prêmio Nobel de Literatura. Ali é possível conhecer parte de sua vida, a grandeza de sua obra, as relações como intelectuais e artistas brasileiros, como Jorge Amado, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Além deste espaço, os locais mais tradicionais, como a Sé de Lisboa, o Museu de Santo António – ao lado da igreja que se edificou no local de seu nascimento , a Torre de Belém, o gigantesco monumento do Padrão dos Descobrimentos, o belíssimo Mosteiro dos Jerônimos – onde se pode visitar uma exposição arqueológica fantástica que indica uma presença humana longínqua em Portugal e o túmulo de Fernando Pessoa nos claustros, de Camões e Vasco da Gama na imponente igreja que compõe o complexo do mosteiro.

Em Coimbra, ao centro do país, além da imponência arquitetônica e histórica da universidade, temos os conventos das irmãs de Santa Clara (um mais antigo e um mais recente: a nova e a velha). No mosteiro mais recente está sepultada a rainha Santa Isabel. Há também imponentes igrejas medievais, como a Sé de Coimbra e o Mosteiro de Santa Cruz, onde estão enterrados os dois primeiros reis de Portugal, Dom Afonso Henriques e Dom Sancho. Num espaço privilegiado de mata urbana encontramos a Quinta das Lágrimas, um complexo de Jardins e fontes, celebrado por Camões e que remete à trágica história de Inês de Castro e seu amor proibido com o  futuro rei de Portugal Dom Pedro I (não o nosso).

Na belíssima cidade do Porto, ao norte, a presença de turistas é impactante. Uma extensão territorial correspondente a 10% do que possui Jundiaí e uma população de 220 mil habitantes, metade do que temos em nossa cidade. No entanto, foi fundada no século XII. Assim como em outras cidades, há uma antiguidade que não se consegue imaginar em relação à história da Europa e da humanidade. Devido à sua riqueza histórica e cultural, expressa na arquitetura, nas igrejas, monumentos, centos culturais, tem sido uma das cidades mais visitadas do mundo. Nela encontramos a famosa Torre dos Clérigos, a Catedral Medieval da Sé, a famosa Igreja da Lapa – onde se encontra o coração do Imperador Pedro I, do Brasil -, o encantado Rio Douro e suas margens turísticas esplendorosas, a Praça da Liberdade – onde encontramos o monumento de Dom Pedro IV (Dom Pedro, I no Brasil), além de outras inúmeras grandezas monumentais.

Nos finais de semana sente-se o peso de tanta gente que circula, pela facilidade de locomoção de turistas vindos de toda a Europa, além de outras partes do mundo. As ruas são tomadas, os artistas populares e de todas as artes ocupam espaços. Mas uma grande quantidade de pedintes, moradores de rua, vivem das migalhas dos turistas.

Um detalhe que chamou muito a minha atenção é a grande presença de animais de estimação, sobretudo cães, todos muito bem cuidados e respeitados. Os moradores de rua também possuem os seus, com suas coleiras, comedouros e roupas de inverno. Já tinha percebido isso também em Barcelona. Um sintoma de solidão ou simples cuidado e apreço pelos animais? Creio que a segunda opção é uma forte razão, dado que percebi também um grande zelo e apreço pelos parques e praças públicas, todos muito arborizados, cheios de flores e bonitos. Em outras cidades, como Braga, Guimarães e Sintra, vi isso muito fortemente. Talvez devido ao esplendor da primavera que se inicia.

Nestes três meses em que aqui estarei, procurarei absorver tudo que for possível, para o meu aprimoramento cultural subjetivo e para o enriquecimento do meu trabalho como professor e pesquisador.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

Check Also

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA: UM INTELECTUAL MILITANTE

Eu soube apenas na última semana que você havia adoecido. Meu compadre e seu amigo, …

Deixe uma resposta