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Guitarra ou Violão?

Um excelente livro. Ganhei de presente no meu aniversário. Trata-se da obra de Rodrigo Merheb, “O som da revolução – uma história cultural do rock – 1965-1969”, publicado pela Civilização Brasileira. Denso, instigante. Estou devorando. Já nos primeiros relatos, uma referência ímpar. Um festival de música folk ocorria em 25 de julho de 1965, na cidade de Newport, no estado americano de Rhode Island. Um jovem músico provocou grande constrangimento ao utilizar uma guitarra elétrica. Tratava-se do ícone do rock mundial, Bob Dylan. Ao tocar sua primeira música, fora evidentemente rechaçado pelo público. Um outro músico, Peter Yarrow, do grupo Peter, Paul and Mary disse: “Não sei o que dizer. Bob foi guardar a guitarra elétrica e logo voltará para tocar alguma coisa”. Da plateia ouviu-se: “Ele que traga o violão. ”

Antes de um outro show em São Francisco, a imprensa lhe fazia aquelas típicas perguntas idiotas, para as quais valem respostas idiotas. Entre elas estava uma impagável. Perguntaram-lhe: “Qual a razão da sua visita à Califórnia?” Ao que ele respondeu: “Estou aqui procurando alguns burricos. Estou fazendo um filme sobre Jesus. ”
O lirismo poético é irmão gêmeo da inteligência. E Dylan possui as duas qualidades. Eis a deixa que eu precisava para argumentar sobre as ruas do cotidiano. Há no mundo pessoas e grupos, cuja perspectiva mental se reduz a uma visão binária. Sua compreensão sobre os fenômenos possui duas alternativas: a opinião deles e a dos outros. Não há espaço para complexidades, ciência, alargamento do olhar. Derivada desta (im)postura, cravam no manejo da convivência as suas asneiras ideológicas – com todo respeito ao querido equino em questão.

Inteligência é para poucos. Quem não tem, faz perguntas estúpidas (e afirmações também) para ouvir respostas estúpidas. Ou talvez irônicas, pois Dylan possui algo de um filósofo, a inquietação constante diante da vida, levada a cabo como um grande desafio interpretativo sem respostas absolutas.

Duro é conviver com sectarismos quando a imensidão de possibilidades sobre a interpretação dos problemas se apresenta gratuitamente. E é justamente esse o papel básico da filosofia, da ciência também, eu diria, o de proporcionar a percepção desse universo. O resto é mera estupidez humana.

Como também já atuei como músico, se me perguntassem hoje em dia qual dos instrumentos eu preferiria, entre o violão e a guitarra, diria sem pestanejar que prefiro todos os instrumentos, porque se eu ficasse só com um deles, certamente seria uma escolha pobre. E como não tenho a pretensão de tudo saber, contento-me com o mosaico maravilhoso do conhecimento.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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