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Educação Para Vida Pública

A educação clássica teve como fundamento a preocupação em formar o homem público, para além das fronteiras do pessoal e do privado. O bem individual e a ação política deveriam convergir para o interesse da coletividade. Devido aos percalços do processo histórico, a prática do ensinar, em diferentes momentos, tornou-se uma tarefa privada, pouco voltada para o coletivo e, seu resultado, um direito de poucos.

Em recente matéria publicada numa revista de cunho alternativo no Brasil, os jornalistas americanos Bill Ayers e Rick Ayers, da Monthly Review, de Nova Iork, analisam o atual processo educativo em seu país, subordinado à lógica do capital. Analisando os meandros das políticas neoliberais desde o início dos anos 70, indicam que a reforma escolar americana coaduna com os intentos dos planejadores corporativos, das instituições privadas e dos lobbys reacionários que defendem as elites conservadoras. As escolas são vistas como empresas, os professores como funcionários e os estudantes como produtos.

No plano pedagógico, os valores referenciais são o mérito individual, a eficácia, a passividade, a obediência e o anti-intelectualismo, apoiados em práticas que utilizam pequenas tecnologias, reforçando a matriz do trabalho pedagógico: punições, notas, avaliações, julgamentos, hierarquias rígidas. Até mesmo as abordagens críticas são apropriadas para disseminar a ideia de que os alunos devem escolher os temas de pesquisa e estudo, postulado que muitos dizem provir do educador brasileiro Paulo Freire, mas que serve ao ensino dirigido e formas de domesticação, não de conscientização, como queria Freire. A abertura para o comércio de projetos e soluções “educativas” é um passo adiante. Não é por menos que muitas redes de ensino são assediadas todos os dias por vendedores de soluções, em todas as frentes, sem um mínimo de discernimento sobre o papel social da educação. Presos à falta de criticidade pedagógica, muitos gestores se submetem a essa lógica e, pior, aproveitam-se dela para atrair vantagens pessoais.

Uma educação para a vida pública, centrada nos princípios da justiça e da libertação integral da pessoa humana, passa ao largo desta compreensão privatista de educação, que produziu, a partir dos anos 90 no Brasil, aberrações pedagógicas em nome de uma política pública para a cidadania.

Indivíduos atuantes publicamente precisam de espaços escolares em que sua criticidade se dirija para aquilo que os jornalistas indicam em seu texto, os “momentos ensináveis”, uma espécie de trabalho que se sabe inacabado e sempre incompleto, de construção de um processo emancipatório através da educação pública.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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