Da janela do meu quarto, um quintal de poesias podia se vislumbrar. Conjunto de imagens deliciosas que acalentaram o coração. A copa das árvores da Quinta do Covelo, ali perto, onde fui caminhar algumas vezes. Uma chaminé abandonada ocupada com um ninho, onde alguns cantores matinais me brindavam com sua sinfonia. A visão, ao longe, tão protetora, da torre da Igreja Nossa Senhora Conceição, na praça do Marquês. Ali comecei minha peregrinação em busca do tesouro na ponta do arco íris.
Algumas gentes queridas se incumbiram de proporcionar o roteiro de minha jornada, aos poucos, logo de saída. Ariana Cosme, Rui Trindade e Luíza Cortesão deram os nomes, os caminhos possíveis. Rui Trindade orientava meu estágio e já havia escrito um livro sobre você. Daniela Ferreira, Teca Mendonça, Amanda Moraes, ajudavam-me a compor o quadro de estudos no grupo de pesquisa. Ali na Universidade do Porto, uma Conferência de quase duas horas com Alberto Melo, um dos ícones da educação de adultos em Portugal. Do contato, uma relação de amizade e trabalho que vai se desdobrando aos poucos, em um dossiê e um livro. Além disso, um depoimento de 5 páginas sobre a história das políticas públicas de educação em Portugal após o 25 de abril.
A jornada incluiu várias cidades a partir do Porto: Braga, Aveiro, Coimbra, até chegar a Lisboa. Luiza Cortezão havia me falado Luís Alcoforado, da Universidade de Coimbra. Lá fui eu. Meu amigo Ascísio dos Reis Pereira, que estava desenvolvendo seu pós-doutorado na Universidade de Coimbra fez o trabalho de aproximação. Primeiro um café, depois um almoço com a presença de António Gomes Ferreira, diretor da faculdade de Psicologia e Ciências de Educação daquela Universidade. Muita aprendizagem. Em outro almoço com o professor Luís, novos projetos, ganhando um calhamaço que ele organizara sobre meu objeto, minhas buscas em terras portuguesas. De quebra, participamos de um projeto comandado por um jovem doutor em história vindo da França e radicado em Portugal, Pierre Marie. Um roteiro explicativo, parando em locais históricos da cidade que significaram muito no processo revolucionário. Num desses locais, a antiga sede do comitê de estudantes da universidade, onde seu método de alfabetização foi utilizado na prática como ponto de partida para outras experiências educacionais.
Rui Trindade havia me falado de Licínio Lima, da Universidade do Minho. Mantive contato, mas a atribulação de suas tarefas não permitiu a visita, mas mandou-me respostas por email. Desci para Aveiro, para conhecer a linda Universidade. Na ponta do roteiro, já depois de alguns meses de trabalho, estava Lisboa e o professor António Teodoro, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Com ele, uma conversa reveladora, dos primórdios da presença dos estudos sobre meu objeto em terras portuguesas, uma digressão sobre a história da educação em Portugal, revelando cada passo deste processo. Saí dali com novos roteiros na cabeça.
E cheguei de volta ao Brasil. Entreguei meu relatório. Está lá, tudo registrado. Novos projetos estão em curso. A felicidade por esta empreitada e, de quebra, um certo ar de deboche preenche meu coração. A cada ataque que lhe desferem, um desprezo intelectual de minha parte, porque afinal, comprovei que o que dizem é uma mistura de ignorância e insanidade ideológica.
Neste dia 02 de maio, completam-se 23 anos sem a sua presença física. Sim, Paulo Freire, você já partiu faz tanto tempo. Mas permaneceu nos inúmeros estudos que são desenvolvidos sobre a sua obra, que alguns dizem, não fazem efeito em lugar nenhum do mundo. Mas lá em Portugal eu vi com meus próprios olhos, li o que tinha que ler, ouvi o que tinha que ouvir.
Não há como negar o movimento do Graal, os trabalhos de alfabetização de adultos associados à educação para o trabalho, as inspirações na elaboração das novas políticas educacionais de Portugal, centradas nas ideias de gestão democrática, autonomia docente e flexibilização curricular. Sem dúvida, Sérgio Nizza é a grande referência da atualidade, mas Paulo Freire permanece como grande inspiração. E desta forma, reconfortados pelo que foi comprovado, olhamos para a nossa realidade no Brasil e não conseguimos deixar de dar aquele sorriso amarelado de puro sarcasmo. Aqui tem gente ignorante demais para te compreender. Mas, graças a Deus tem muita gente boa, que te estuda com afinco, como Zitkoski, Scocuglia, Nunes e tantos outros.
A mim só resta contemplar este processo todo, parte da minha história, em que a satisfação e a alegria da oportunidade que tive são marcas indeléveis para a minha eternidade. Eu vi com meus próprios olhos, você estava lá, em Portugal. E está aqui, forte como sempre no Brasil. Paulo Freire vive!
Renato, teu entusiasmo em relação ao estudo e aplicação na prática dos princípios presentes na filosofia de Paulo Freire, quando pensamos sobre Educação, são contagiantes. E eu fui também, por você e pelos colegas que citou, totalmente contagiado. O maior legado que ele me deixou é este, além de sua obra, é claro, foi a possibilidade de me conectar com pessoas como você e nossos amigos em comum. Minha passagem pelo Porto no ano de 2019 é um marco na minha vida, pois conhecer você, o Rui Trindade, a Ariana Cosme, a Daniella Ferreira, a Luiza Cortesão, a Valda Colares, o Clóvis Brito, entre tantas outras pessoas que passaram por nós nas tertúlias dialógicas e seminários promovidos pelo Instituto Paulo Freire em Portugal, tornaram minha jornada em terras lusitanas uma experiencia que ressignificou determinantemente minha práxis pedagógica. Obrigado por você contribuir também para que Paulo Freire continue vivo, e que nasça e cresça cada vez mais em cada um de nós. Desejo a você muito, mas muito sucesso na sua nova jornada com o Luiz Alcoforado. Mas volte depois, volte logo, pois precisamos de pessoas como você neste país. Precisamos muito. Um grande e afetuoso abraço meu amigo.
Luciano Gamez
parabéns por ter encontrado o tesouro na ponta do arco íris! você se preparou para isso.