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Vazio de Pensamento

Duas obras recentemente publicadas no Brasil nos auxiliam na tarefa de imaginar qual é o papel da filosofia no amplo espectro do conhecimento, sobretudo em tempos de recrudescimento da capacidade de pensar. Uma delas é a coleção com três volumes da “História da Filosofia Ocidental”, do filósofo inglês Bertrand Russel, publicada pela Editora Nova Fronteira. Em que pesem interpretações distintas sobre sua percepção acerca do que cabe à filosofia como área do conhecimento, afirma que ela se situa entre a ciência e a teologia. A define como uma “terra de ninguém exposta ao ataque de ambos os lados”, do dogma religioso e das “verdades” científicas. Para ele as ciências não conseguem despertar espíritos especulativos e não respondem a questões profundas e a teologia não parece convincente naquilo que define como explicação plausível sobre a realidade. Perguntas mais densas, que exigem respostas mais sensíveis, provém de um lado, da capacidade de viver sem certezas e, dom outro, de não nos sentirmos paralisados diante da vida. Eis o que promove a filosofia.

Na perda da capacidade reflexiva, preponderam motivações provindas do “vazio de pensamento”, expressão da filósofa alemã Hannah Arendet, citada num livro também recente, da filósofa brasileira Marcia Tiburi, “Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro”, da Editora Record. Neste livro, Tiburi desdobra em uma reflexão detalhada sobre as relações interpessoais, sobretudo no campo da política, a quantas anda a nossa capacidade de pensar. Indica que esse vazio de pensamento, característica dos que são incapazes de dialogar, redunda numa série de manifestações de caráter fascista, movidas pelo ódio ao diferente, a repugnância pelo outro e as famosas projeções de nossas incapacidades na figura dos que nos incomodam. O outro está sempre errado e merece nossa reparação. Mas “narciso acha feio o que não é espelho”.

O chamado diálogo, diz a autora, não se caracteriza apenas como uma mera capacidade de falar e ouvir ou de provar com argumentos nossas posições. O diálogo é a abertura para a escuta que provoca transformações em quem está sensível ao outro. A pobreza de pensamento está toda calcada nos chavões e explicações sedutoras e propagandísticas de soluções “práticas”, destituídas de fundamentos filosóficos. Daí a recusa à crítica, por parte dos que não se habilitam ao diálogo verdadeiro, processo de reflexão no qual devemos entrar não para provar nada, mas para crescermos juntos.

 A enxurrada de soluções baratas e discursos vazios do senso comum são fruto da falta de diálogo e do fascismo das soluções prontas, que muitos imaginam possuir para problemas complexos. Nada mais antipolítico.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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