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Uma memória perene

 

Tenho sonhos constantes. Eles aparecem como se fossem a realidade. Fragmentos de uma experiência que se confundem com o que vivo agora. Afinal, 16 anos de aprendizagens, convivências, desafios e sonhos.
Ali me tornei professor de forma plena, com os meus defeitos e dificuldades habituais. Fui coordenador pedagógico, diretor. Brigava pelas minhas posições, sobre a teoria e a prática educativa. Tentava ao máximo me desfazer dos controles provindos de uma concepção de educação enviesada por controles burocráticos, sem deixar de considerar a seriedade metódica, que percebia por outras vias.

Foram laços de amizade e cumplicidade que se construiram. Inclusive com os alunos. Em nenhum espaço de atuação ganhei tantos amigos entre os alunos. Mas havia também dissensões, contradições, disputas. Algumas provocaram feridas, outras foram superadas com a paciência de quem vê a razão vencer, sempre. Com o tempo, a história flui e se modifica. Nem sempre para melhor, é claro. Mas se modifica. E os que por vezes sugerem conhecer mais que os outros caem no ostracismo, enquanto os pacientes persistem.

Ali defendi posições que criaram embates. Posições que não eram somente minhas. Currículo flexível, menos rigidez formal – sem ser superficial, porque alguns confundem rigidez com os acessórios do conhecimento -, presença de animais no espaço escolar, manutenção de uma linha freireana – não invadida por superficialidades e estrangeirices comprovadamente desvinculadas da realidade brasileira -, maior autonomia da gestão, um debate com o corpo docente sobre melhorias na carreira sem incidir nas lamurias corporativistas dos que não se comprometem, um diálogo franco com os alunos sobre a disciplina – não vista como cumprimento cego de normas, mas como participação nos valores da escola, enfim, a defesa de uma concepção de escola e de educação para além de resultados meramente escolares e centrada no espírito da emancipação.

Ainda hoje pode ser que alguns discordem do que vivemos ali. Mas certamente há os que compactuam. Não há perfeição nas dinâmicas escolares. Na dialética da vida vamos colocando nossos amores profundos e nossas capacidades técnicas, de forma humana, demasiadamente humana.

Muitos frutos amadureceram. Alguns se perderam. Muitas conquistas vieram. Algumas foram substituídas. Mas o fato é, que de todas as memórias que guardo, que aparecem em sonhos constantes, a maior é a do afeto profundo por esta experiência. Não são os dissabores, as disputas, as perdas, nada disso me move nesses sonhos. Apenas talvez a vontade amorosa de que eu deveria ter continuado. Mas os sonhos não se fazem apenas com as presenças, como dizia Paulo Freire. Os sonhos continuam. Nosso tempo pode ter passado, mas as marcas permanecem. Para mim elas são o rosto cheio de sorriso dos meninos do futebol do sábado a tarde, a cumplicidade das amizades eternas que se firmaram ali, as alegrias dos momentos singulares que embalaram a continuidade dos sonhos. Parece que ainda estou por ali, em espírito. E em presença também, ainda, mesmo que não regularmente.

As contradições permanecerão, os desafios também. Mas o que move uma comunidade, nesta perectiva de um devir é o constante fluxo de aprendizagens, para tentar superar nossas mazelas humanas e humanizar o mundo, nossas crianças, adolescentes e jovens; para que no futuro que construímos hoje, nosso país seja diferente do que tem sido: injusto, desigual, plataforma de ignorâncias e autoritarismos.

Desejo continuar sonhando aquelas esquisitices noturnas que a minha experiência no Colégio Paulo Freire me suscitam.

 

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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