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Tecnicismo e Conservadorismo

O discurso tecnicista está associado a uma perspectiva política conservadora. Na área de educação, por exemplo, temos exemplos clássicos em dois momentos da história recente do Brasil. O primeiro, nos anos 70, quando da imposição da Lei 5692/71, cujo mote era a “formação profissional”. Era o tempo do controle da liberdade de pensamento nas escolas de Educação Básica. Disciplinas das áreas de humanidades e artes tiveram suas cargas horárias diminuídas ou foram simplesmente suprimidas, como foi o caso de Filosofia e Sociologia. Para substituí-las, aberrações fictícias foram introduzidas no currículo, com claro caráter nacionalista ufanista: educação moral e cívica (no Ensino Fundamental e Médio) e organização social e política brasileira (no Ensino Fundamental).

O segundo, em tempos neoliberais, nos anos 90, é a reprodução dessa receita, com a contenção de despesas no plano das políticas públicas e contabilização dos recursos para “aplicar melhor” no que fosse estritamente necessário. Daí a retirada da atuação do Estado das funções sociais fundamentais e imposição do processo de privatização. A catástrofe na área de educação foi óbvia e estamos agora colhendo os frutos de uma escola pública sem investimento. O discurso da formação de mão de obra através da educação se repetia, como nos “áureos tempos”. Aspecto semelhante ao caso da imposição da Lei 5692/71 foi a supressão das disciplinas de Filosofia e Sociologia do currículo do Ensino Médio, na “nova” LDB de 1996.

A associação entre tecnicismo e o conservadorismo se fundamenta em doutrinas menores provindas das áreas de economia, administração e da visão financista de mundo, como a “Teoria do Capital Humano”, que “defende” a “valorização do potencial de cada um”, independentemente de suas condições e dos recursos aplicados pelo Estado. Visão superficial, assistencialista e conservadora, desconectada de qualquer interpretação crítica. Como afirmou o professor Doutor Marcos César Freitas em recente palestra em Jundiaí, pensa-se que os pobres são pobres porque não foram à escola. E não que a pobreza lhes exclua da escola.

Em 2007 o Conselho Nacional de Educação indicou e o então Ministro Fernando Haddad acatou a alteração no dispositivo legal e as disciplinas de Filosofia e Sociologia voltaram oficialmente ao currículo do Ensino Médio, muito embora, algumas cabeças ocas no congresso ainda tentem retirá-la à fórceps. Sorte dos adolescentes, que podem exercer sua civilidade sem cabresto algum.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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