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Sartre e a Liberdade

Bastante discutível a ideia de que a França seja o país das liberdades. Por ter sido o berço do iluminismo, traz em sua história uma marca que nenhuma pátria conseguirá possuir, a contribuição para o avanço da ciência e do pensamento. Mas há manchas também. Regimes autoritários pós-revolucionários, conservadorismo dos anos 60 e, agora, um avanço da direita que força a esquerda mundial a “tomar um jeito” mais “liberal democrático” ou “social democrático”, disfarçando as agruras neoliberais. Nem o Brasil está imune, infelizmente.

Mas a França tem Sartre e toda tradição existencialista pela liberdade com responsabilidade. Construir propósitos para a vida pessoal e coletiva é a grande tarefa da existência. Nada está dado previamente. Sartre negava a absolutização de uma essência – ou natureza humana – sustentada por teorias religiosas que, por estarem desconectadas da vida, fundamentalizam o etéreo negando o imanente. Nossa essência – não prévia – é a liberdade de escolha, apesar de muitas limitações às quais estamos submetidos. Faz-se necessário fugir das formas tradicionais de pensamento inconscientes e assumir a tarefa de enfrentar as escolhas que fazemos.

A liberdade incondicional é aquela que se baseia na criação de modelos de vida. Torna-se nossa maior responsabilidade. Não apenas pelas nossas escolhas, mas sobre seus impactos para todas as demais pessoas. Não há desculpas para as escolhas feitas. Assumir essa responsabilidade implica a possibilidade de também escolher um controle interno. As lutas contra todas as formas de enquadramento, institucionais, ideológicas, como força de movimentos diversos na França ou em qualquer país do mundo na atualidade, resultam do entusiasmo do movimento de maio de 68, em grande medida inspirado nas ideias de Sartre. Mas há exageros.

A “banalidade do mal”, como indicou Hannah Arendt, que provém de falhas de pensamento e de julgamento, pode acometer qualquer um de nós. Se não avaliamos direito, perdemos o juízo. Ou, se quisermos rememorar o que dizia Adorno, a capacidade de pensar é uma categoria moral. Não há que se divinizar a estupidez, resultado da falta de inteligência e de sentimentos morais, como não há meio de separar inteligência e sentimentos.

A impulsividade dos fundamentalismos vários está justamente sustentada neste aspecto, a falta de mínimos lampejos de racionalidade. As reações a ele também. Em ambos os casos, falta reflexividade e controle moral, por mais justificativas que sejam dadas. Utilizar a liberdade, criar um mundo próprio, implica, por fim, medir os impactos das nossas escolhas sobre nossas vidas e dos demais.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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