Sempre que chegamos ao dia 02 de maio, inevitavelmente, por proximidade, os veículos de imprensa dão o devido destaque – com justiça – para o Dia do Trabalhador. Há também aqueles que lembram com ênfase, da morte do piloto Ayrton Senna.
Depois de um 2021 celebrativo, quando instituições acadêmicas mundo afora, sobretudo faculdades de educação, promoveram inúmeros eventos em memória de Paulo Freire, em decorrência do seu centenário de nascimento, agora chegamos aos 25 anos de seu passamento.
Para o bem da verdade, ainda temos que evoluir bastante no campo das políticas de educação, para compreender o significado da originalidade pedagógica de Paulo Freire e dos efeitos de sua Pedagogia no avanço cultural, político e econômico do nosso país. Freire perpassou vários estágios no percurso da construção de sua compreensão teórica sobre a educação, sobre o social, sobre o universo político. Sua identificação com o cristianismo o aproximou de autores como Emmanuel Mounier. Ainda nos anos 50, a relação com isebianos, especialmente Álvaro Vieira Pinto, faria com que Freire assimilasse a percepção da necessidade de um desenvolvimento nacional autônomo, a partir das várias categorias desenvolvidas pelo filósofo , como trabalho, terceiro mundo e conscientização. Alguns autores/as mais radicais, posteriormente “perceberam” em Vieira Pinto e, por tabela em Paulo Freire, uma espécie de populismo e até mesmo posições autoritárias/conservadoras. A ausência do debate sobre as relações entre classes sociais nas obras de Vieira Pinto naquele momento, fez com que essa percepção vinda de setores da esquerda acadêmica, levasse à classificação de Paulo Freire como um “não marxista”, ou “não tão marxista assim” (após a publicação da Pedagogia do Oprimido). Naquele contexto, Freire parecia ter que receber um aval epistemológico para que sua existência fosse considerada no cenário intelectual, apesar dos esforços em reconhecê-lo. Algo paradoxal.
No entanto, Freire continuou seu percurso, relacionando-se com liberais democráticos, com autores ligados à fenomenologia, e com outros do campo da esquerda democrática não ortodoxa. Nos últimos anos de sua existência, aproximou-se dos autores críticos americanos ligados à Teoria Crítica da Sociedade.
Com a ascensão da extrema-direita ao poder, a amplificação de uma confrontação – nada intelectualizada – ao que se supõe seja Freire ganhou força, por suposições e deturpações sobre o seu significado para a educação mundial. Mas há um processo histórico em curso, aberto, que sempre nos faz lembrar que nem todos os registros se perdem. Há uma infinidade de experiências práticas desenvolvidas por Freire mundo afora. Mas um bonito texto do professor Pedro Goergen (O que Paulo Freire tem a nos dizer), destaca a partir de uma das obras de Walter Benjamim, a experiência primeira e de maior importância histórica de Freire, Angicos, como uma simbologia, uma metáfora ( a do anjo da história):
Angicos e toda a história posterior do projeto de Paulo Freire é, no meu entender, algo como uma grande metáfora que representa a luta contra a produção da ruína humana que se amontoa aos pés do anjo da história. Os escombros que se amontoam, são os escombros humanos dos excluídos, dos pobres, dos ignorantes, dos analfabetos. As palavras, os projetos, as aulas, enfim, o empenho de Paulo Freire é a luta para parar ou, pelo menos, amainar a tempestade, cujos ventos impedem que as asas do anjo da história se fechem.
Para o professor Goergen, a força de Freire está justamente na promoção dos “de baixo”, aqueles que foram alijados dos direitos de cidadania. Por mais realistas que sejamos, percebendo no atual momento do desenvolvimento histórico do Brasil e do mundo a força que os projetos de destruição do humano possuem, os interditos que os defensores da dinâmica neoliberal/ultraliberal nos interpõem, especialmente com suas diferentes pedagogias do mercado, haveremos de lembrar destes registros históricos, as experiências de desenvolvimento humano, que não são esquecidos nas prateleiras das academias.
Estamos precisados de reavaliar o percurso de nossas políticas de educação, na medida em que consigamos restabelecer o curso da vida democrática. O desenvolvimento pleno, não apenas econômico – mas também ele – depende de uma outra escolha política, aquela que rompe com os estratagemas do mercado na elaboração das políticas de educação. Os/as que estarão à frente de um eventual novo governo, possivelmente com feições democráticas, não podem trair a memória de Paulo Freire. Em outros momentos, nosso educador maior já foi vítima de intrigas políticas, do fogo amigo, de incompreensões. Hoje, passados 25 anos de sua morte – e pelas repercussões que as centenas de eventos dedicados à sua memória em 2021 – é possível esperançar que ainda há o que fazer em seu nome e a partir de seu legado teórico e prático.