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O Bispo e a Usina

Nos últimos 20 anos tenho estudado as relações entre cultura e religiosidade pelo viés da história social. Simpatizo, por razões não só intelectuais, mas místicas, com a linha progressista cristã. Os testemunhos dados ao longo da história recente do Brasil, por parte dos militantes cristãos comprometidos, são incontáveis. A dimensão ecológica da luta social se imiscui na fé.

Poucos percebem que as opções destrutivas que hoje são assumidas pelo governo federal e por muitos governos locais em relação à natureza, fazem parte de uma malevolidade maior, fruto da ganância do sistema financeiro e empresarial. Ignoram por completo documentos internacionais de grande expressão como a Carta da Terra. Alguns religiosos impressionam pela sua coragem em denunciar essa realidade. Alguém que aprendi a admirar recentemente foi Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, no Pará.

Sua atuação junto ao Conselho Indigenista Missionário o faz uma voz dos sem voz na questão da construção da usina de Belo Monte. Ameaçado de morte e tendo sofrido vários atentados – num deles morreu um padre que o acompanhava -, anda com escolta policial. Seu trabalho ao lado da irmã Dorothy Mea Stang o tornou a próxima vítima. Suspeita-se que envolvidos na morte da missionária participam do empreendimento da usina. Mas sua luta não se restringe a condenar Belo Monte.

Age também na proteção de comunidades camponesas e indígenas, denuncia a exploração sexual de adolescentes, os assassinatos de meninos, a ação predatória de grileiros e latifundiários, além de madeireiros que vivem do trabalho escravo. Em 2010 Dom Erwin recebeu o prêmio Nobel alternativo (Right Livelihood) por essa sua luta em favor dos direitos humanos, das causas ecológicas e populares. Uma de suas entrevistas, concedida a um programa da diocese de Maringá, me emocionou muito.

Já tive vergonha muitas vezes por ter sido católico. Vergonha também por ter sido filiado por mais de 20 anos a um partido que, agora no governo, mancomuna com o grande capital e faz ouvidos moucos aos reclamos de comunidades indígenas. O relato do bispo sobre a reunião do grupo de Altamira com o presidente Lula, representantes da Eletronorte e o ministro Gilberto Carvalho me deixou impressionado. Não é possível imaginar que essas pessoas possam aprovar o que está sendo feito em Altamira. Mas infelizmente aprovam. Entre eles e o testemunho de Dom Erwin, sem nenhuma sombra de dúvida, fico com o bispo.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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