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Ninguém Ensina Ninguém

Após décadas da manifestação da célebre expressão de Paulo Freire, na obra “Pedagogia do Oprimido”, que afirma que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, há muito que repensar sobre a prática dos educadores e educadoras.

Atormentados pela dinâmica da formação tradicional que insiste em invadir e colonizar a sua atuação, muitos deles não conseguem desistir de querer ensinar os outros, esquecendo-se que, de repente, também são “aprendentes”. A aprendizagem não é uma via de mão única e, mesmo que se confira um papel ao educador – seja ele qual for -, nunca será o de único portador do conhecimento.

As dinâmicas pedagógicas que permeiam a vida escolar ainda não se modificaram neste aspecto e sempre aparece aquele que, imaginando-se o portador do saber que o outro não sabe, comporta-se não como alguém que participa de uma relação de aprendizagem, mas como quem não necessita do outro. Ensinar tornar-se mais importante que aprender.

Fruto de uma concepção bancarista de educação, diversas políticas públicas estão marcadas por esse viés arrogante, nada humilde, e quase tudo que se faz é por meio da submissão do outro à condição de quem nada sabe e que “precisa aprender”, como se já não soubesse nada.

Ao criar o conceito de “leitura de mundo”, Freire desmistificou essa percepção, atestando que, ao ser inserido no mundo das letras, aquele que não lê e nem escreve já possui um saber que advém de sua experiência social e que não pode ser negligenciado. E o que faz a escola? Quase sempre nega esse saber, a condição cultural do outro.

Mesmo entre educadores, não é menos comum a disputa pela última palavra, como se houvesse uma última palavra. O que necessitamos, na verdade, é garantir a palavra e romper com o monopólio do saber. Deixar que as pessoas falem e se manifestem, abdicar da prática de querer lecionar a todo momento, como se estivéssemos numa eterna sala de aula.

Freire nunca abdicou da teoria. O que defendia, ao contrário, é que existe uma diferença entre teoria e verborragia. A teoria compartilhamos. A erudição vazia e sem sentido comunicamos. Ainda neste aspecto confundimos comunicação com “fazer comunicados”. Assim nos comportamos diante dos nossos alunos, dos nossos colegas de profissão.

Por vezes a mais importante contribuição que damos à educação enquanto educadores é deixar que as outras pessoas tenham o direito a falar. Essa sabedoria, nosso educador maior expressou com simplicidade. Nesta próxima sexta feira, Paulo Freire completaria 93 anos de vida. Mas ainda está vivo como nunca.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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