Um amigo me disse, faz algumas semanas, que nunca tinha se sentido tão religioso. A experiência mística se mistura com a vida, não tem como fugir. De uma forma ou de outra somos interpelados por algo que julgo além do religioso, o desejo de transcendência. O sentido ético do cuidar, antes restrito ao espaço das religiões, hoje está mais relacionado à racionalidade. É racional ser correto.
Sempre que as eleições aparecem, emergem temas relacionados a concepções religiosas específicas, que se tornam foco de debates morais, incitando a paixão sem racionalidade, muito típica de algumas ocorrências insalubres. É o velho moralismo entrando em cena, uma praga moral que corresponde à falta de ética.
Os evangelhos estão repletos de exemplos assim: a mulher adúltera, o jovem rico, os fariseus hipócritas. Muita gente gosta de jogar pedra, ou de olhar o cisco nos olhos dos outros. E lhes falta ética. Cumprindo uma tarefa moral? Não, desprovidos do senso ético, que é, antes de tudo, fruto da razão, não do misticismo – um desvio da mística. A mística tem que ver com a vida, o misticismo com a alienação e a ignorância.
O fundo desse problema, das relações entre fé, ética e política, centra-se na fragilidade dos discursos teológicos. Há muitas práticas religiosas hoje sem teologia, ou que se sustentam em teologias frouxas, mistificadoras da fé, hierarquizadoras, institucionalizadoras. Os clérigos e pastores “pop star” fazem sucesso na internet.
Mas se colocam mais como soldados de uma tropa do que como cabeças pensantes livres de coação institucional. São frágeis espíritos amordaçados pelas doutrinas oficiais. Pessoas que simulam uma racionalidade que não tem nenhum apelo científico no campo das ciências da religião, da filosofia da religião e da própria teologia. Nem do bom senso. Como afirma o filósofo Giorgio Agamben, vivemos numa época em que o irracional se apresenta como racional e perdemos a potência da vida.
Por fim, creio que há uma profunda crise de racionalidade que permeia as práticas mais espiritualistas e as inconsistências ideológicas se fazem reproduzir pelas redes sociais nestes dias de campanha. E não estou falando de religião em sentido oficial. Falo de crenças mágicas, em torno dessas ou daquelas ideias. Em nome delas, como se estivéssemos tirando Cristo da cruz, crucificamos os outros, enaltecendo nosso alter ego em defesa de Barrabás. Irracionais, aderimos ao coro: crucifica-o.