Maria Rita Khel, uma das maiores psicanalistas brasileiras, em entrevista ao programa Café Filosófico, quando da realização da série “Efeitos psicológicos da crise” – avaliando os desdobramentos da crise econômica iniciada em 2008 – respondendo a uma questão de um participante, provocou uma reflexão que imagino quase imperceptível em nosso cotidiano de trabalho. A pergunta em questão era se não seria interessante investir em atividades de trabalho que proporcionassem cada vez mais algum nível de bem estar e prazer a quem trabalha.
É como dizemos no jargão futebolístico: “deu a bola de presente para ser chutada”. Gol de letra da entrevistada: se houver prazer na atividade laboral, justificamos a exploração do trabalho. Dizendo de outra forma, ninguém gostaria de sentir o peso da exploração e ainda por cima sentir algum gozo nisso.
Na literatura bíblica está posto que o trabalho foi a “pena” à qual foram submetidos Adão e Eva após infringirem as leis do paraíso. A própria palavra trabalho, tem sua origem etimológica ligada à palavra tripalium, do latim, que deu significado a um instrumento de tortura utilizado pelos romanos em forma de “três paus”. Nada mais depreciativo, trabalhar é sofrer. Mas o calvinismo fez a leitura do trabalho como mecanismo capaz de proporcionar prazer e como espelho da doutrina da predestinação. Max Weber fez a leitura sociológica interpretativa mais consistente em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. A religião protestante de vertente calvinista dava novos ares de significação ao trabalho: ele salva. Ou reifica, torna concreta, a máxima do senso comum que diz: “trabalhe e vencerás”, que passa ao largo da noção de que o mundo é regido por leis econômicas atreladas a interesses que não são coletivos. Por essa razão, a salvação não será nunca individual e o inferno é o que nos espreita: a injustiça social.
No entanto, foi em Marx que a percepção de que o trabalho é a mola mestra do capitalismo, sinônimo de alienação e expropriação, tomou o volume que hoje ocupa lugar central nas leituras sociológicas sobre o mundo social. Não é possível sonhar no capitalismo, como indicara Maria Rita Khel, alguma atividade de trabalho essencialmente prazerosa, o que seria uma contradição fenomenal.
Na esteira das comemorações sobre o dia do trabalho (ou do trabalhador, em outra leitura), fica a dúvida se os direitos sociais vinculados ao exercício do trabalho podem ser ampliados num contexto de encolhimento do desenvolvimento econômico global ou se, enfim, os trabalhadores podem “gozar” o gozo do sonho e da possibilidade de que “dias melhores virão”. Para relaxar, nada mais justo que uma cervejinha no dia de hoje, porque ao menos esse prazer mínimo, ninguém nos tira.