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Senso Comum e Democracia

Uma das situações mais frequentes em sala de aula, quando os professores de filosofia começam a situar a disciplina em diálogo com seus alunos é o desconforto do debate em torno do que é senso comum.

As pessoas estão tão habituadas a tomar como verdade o que corre de boca em boca, que a reflexão sobre ideias fica para segundo plano. Esses dias mesmo, um aluno me indagou se não seria importante a existência das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo. Na verdade elas são obrigatórias desde 2006, com uma mudança que houve na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Nos meus muitos anos de experiência como professor nesta área, não me surpreendo que toda vez, em início de curso, quando digo que “futebol, política e religião se discutem”, os alunos e alunas ficam espantados de início.

Quando se estabelece o diálogo, as coisas vão clareando, ao menos um pouco. Como assim professor? Essas coisas são muito pessoais, dizem. Nem se dão conta de que a questão não é discutir a preferência política, religiosa ou esportiva de ninguém, mas os problemas existentes nessas áreas da experiência humana. Como estamos ainda na efervescência final de um processo político eleitoral, talvez seja interessante pensar se um “problema” do campo da experiência política, a questão da democracia, não tem sido pensado de forma muito comum.

Senso comum, nada mais é que reproduzir “aquela velha opinião formada sobre tudo”, como dizia o velho Raul Seixas. Não que o senso comum não seja válido como forma de pensamento ingênuo, inicial. Claro que é, caso contrário, não haveria necessidade de educar.

Mas a democracia tem sido entendida de maneira torta. A simples manifestação de opinião não garante correção de posição. Há desvios interpretativos que podem nos mover, para cá ou para lá, no horizonte do pensamento. Que desvios são esses? Os patrocinados por todos os mecanismos que depõem contra o trabalho educativo. Não que a escola esteja imune ao senso comum. No entanto, o saber comum tem a característica da falta de olhar abrangente. As pessoas se agarram a chavões, imaginando que no jogo da democracia vale tudo. A falta de respeito à normalidade democrática, moeda corrente na sociedade, chega a assustar.

Não se respeitam regras mínimas de convivência em todos os ambientes. Essa cultura da “verdade absoluta” de cada um impede o diálogo qualificado, perverte o jogo democrático. Feliz ou infelizmente – ressalto para meus pupilos – a convivência democrática exige a aceitação do contraditório – e este nada mais é, por vezes, outra peça do senso comum a nos desafiar como educadores.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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