Na Grécia antiga havia dois tipos de cidadãos. Os cidadãos privados eram aqueles que não se dedicavam à vida pública, apenas a assuntos particulares. Os demais cidadãos, que ocupavam cargos públicos, participavam diretamente da definição da ordem e da discussão dos assuntos de interesse comum. O primeiro grupo era denominado de “idiotés”, termo que traduzido para os dias atuais, “idiota”, significa aquele que não possui habilidades profissionais. No pejorativo é tomado como “ignorante”, tolo, desprovido de bom senso.
Na literatura encontramos outra possibilidade. Dostoiévski se vale da ideia em seu famoso romance, “O Idiota”, escrito entre 1867 e 1868, em que o personagem principal, príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, por possuir traços humanistas e ser movido pela compaixão, é visto pelos demais como um idiota. Tem de conviver com pessoas infames, abomináveis, corruptas, que o enxergam como coitadinho, incapaz, sem habilidades para a vida prática.
As questões morais despertadas no romance dão margem a um a reflexão, que se estende em outras obras do grande escritor. Em “Os demônios”, romance publicado em 1872, Dostoiévski dá um recado direto para todos aqueles que fazem uso de um discurso transformador para encobrir seus traços agressivos, doentios, seus demônios. São os que negam o amor, os que falsificam o bem, que iludem os outros dizendo falar em nome de uma coletividade, quando na verdade falam em seu próprio nome. O autor se refere aos grupos radicais de sua época e de certa forma profetiza sobre o aparecimento dos movimentos autoritários que viriam no século seguinte.
Um dos personagens do romance, Piotr Stiepanovick, líder de uma facção política, consegue grande influência sobre os seus liderados, caracterizando-se como homem esperto, hábil de raciocínio, mas que não tem postura compatível com seus ideais políticos. Nega qualquer fundamento teórico para suas ações, colocando-se apenas como um dirigente preocupado em “adotar uma ação urgente, qualquer que seja”.
Em torno de líderes assim, muitos abdicam de sua individualidade e de sua autonomia. Alguns autores sugerem neste comportamento a materialização do princípio freudiano de identificação, quando uma perspectiva narcísica faz unir comandados e comandante – que geralmente não possui liderança efetiva. Por esta razão, talvez, Nietzsche vislumbrou a contrariedade de sentimentos nos personagens destas obras, que vão do amor desinteressado ao comportamento destrutivo, características que verificamos ainda hoje no plano das relações pessoais, aviltadas e desumanizadas.