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Continuar o Mesmo

A última semana foi muito densa para mim. Entre problemas os mais variados, sintomas da angústia na qual vivemos mergulhados cotidianamente, vi desabrochar muitas possibilidades novas que antes talvez não se manifestavam tanto. Cultivar o amor por uma pessoa exige gestos, que nem sempre nossa vaidade e nosso orgulho permitem que o expressemos.

Sou de uma família que lutou para sobreviver a vida inteira. Meus pais, meus exemplos de vida, independentemente de suas limitações humanas, conseguiram criar a mim e aos meus dois irmãos e, ainda por cima, torna-los três professores, cada um em uma área específica. O DNA pode ter as mesmas características, mas o psiquismo, a subjetividade nos diferencia. Temos também as diferenças que emanam da cultura, das experiências vividas, mas os laços de sangue e o amor permanecem.

Muitas vezes discordamos, tomamos rumos e caminhos diferentes, brigamos, ficamos chocados uns com os outros, mas nada que abale definitivamente a estrutura do vínculo afetivo. Superar os desentendimentos e reatar a convivência faz-se necessário.

As aprendizagens dos últimos dias, estão relacionadas, portanto, à ideia de que precisamos uns dos outros para enfrentar as dores do mundo, cada um no seu momento. E de fatos sempre haverá frustrações, decepções, perdas, tristezas, medos. A vida não é um mar de rosas e as contrariedades, apesar de naturais, nem sempre são vendidas pelo mercado da felicidade como “bens necessários”.

Entramos em pânico, em crise existencial, em processos de angústias, que nada mais são que expressões do medo diante das mortes imaginárias ou até mesmo da real. Como somos levados pela cultura do bem estar material a acreditar que tudo pode ser suplantado com “remedinhos caseiros” e fetiches que nos dão a sensação de que a felicidade é uma obrigação, caímos numa armadilha sem fim, que nos leva ao desespero, já que como dizia um filósofo, “viver é perigoso”.

A procura por uma existência plena em reflexão e criticidade não deve deixar de ser uma constante. Ossos do ofício, filósofos são aqueles que se situam neste emaranhado de reflexões, que para alguns não levam a nada. Geralmente, quem pensa assim é porque não consegue promover uma autorreflexão, reproduzindo meia dúzia de verdades sem fundamento. O mundo é para os fortes, claro. Mas também é para os sensíveis e, infelizmente, nem todos são.

Da minha parte, tento conciliar duas características que considero fundamentais. A capacidade de pensar e a capacidade de sentir. Se eu puder continuar sendo assim, o mesmo de sempre, estarei preparado para ajudar na dor e no desespero – mesmo que também eu viva essa condição – àqueles a quem mais amo.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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