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AMIZADE E FIDELIDADE

 

A vida me agraciou com muitos amigos e amigas. Foram os espaços de militância na igreja, no movimento sindical, no movimento cultural, no partido, além das relações em vários ambientes de trabalho, que amizades seletas e de enorme fidelidade nos sonhos e esperanças foram proporcionadas.

Sim, as amizades vivem da fidelidade, algo imprescindível, mas nem sempre presente. Ser fiel não é necessariamente andar pelos mesmos caminhos, nem concordar em tudo. Cada ser humano é fruto de suas próprias experiências culturais, familiares, religiosas, escolares. E também de experiências comuns, coletivas. A fidelidade é um traço de amor, sem esperar que ninguém seja o que imaginamos que deve ser. Há uma liberdade profunda que entrelaça corações em sentidos de amizade.

Dentre meus amigos e amigas mais fiéis há uma porção deles, mais próximos talvez, em que as situações de vida foram mais intensas e profundas. Em 1995 eu conheci um desses amigos, que hoje faz aniversário. Confiei na percepção de um experiente ator político da cidade para embarcar nesta amizade, que já dura 28 anos. Ambientalista e urbanista, apaixonado por Jundiaí, onde nasceu, nutre um certo sentido de alegria, mesmo diante das grandes adversidades pelas quais qualquer pessoa passa, sempre com um ar de confiança e esperança no futuro. Foi deputado estadual e prefeito, num momento em que a história maior nos legou um desatino enorme, com o fortalecimento das forças conservadoras que destruíram o sentido público da vida política.

Quando dos anos 90, olhávamos para nossos adversários políticos e a luta se travava no plano das ideias, de modo mais cordial e respeitoso. Depois disso, partidos antes participantes deste processo caíram na lábia (propositalmente) do discurso neoliberal e abriram o flanco para o quadro que temos hoje, um empobrecimento da política institucional, contaminada pelo que há de pior em termos de civilidade, de interesses das elites conservadoras.

Este meu amigo já foi alvo do fogo amigo. Quis agradar todo o mundo, porque seu coração é enorme. Quem sabe, na tentativa de convencer quem não estava no mesmo campo, de que é possível unir forças na busca do melhor possível, dadas as condições históricas. Como afirma Lucien Goldmann, a melhor consciência possível sobre a realidade não advém de slogans baratos, vindos da direita ou da esquerda. Na esquerda, a estreiteza do discurso acaba por perder oportunidades históricas para mudanças. Grupos que se autointitulam portadores da salvação da sociedade, perdem o bonde da história ao tergiversar em torno de radicalismos nada historicizados. Grupos à direita, a maioria deles pautados pela ignorância política, seguem a lógica de identificar em quem é um humanista convicto, pautas anticapitalistas, que eles, os conservadores, defendem com unhas e dentes.

Não é fácil viver num processo histórico de muitas cobranças. E perder a batalha, ao menos no plano eleitoral, em função de golpes e movimentos que assombraram o país, em nome do conservadorismo e dos interesses das elites privatizantes. Mas manter a dignidade é algo que nem todos conseguem. Os adversários a jogam no lixo, inclusive atualmente, burlando leis eleitorais. São os que apoiam governos de extrema direita, que mancomunados com o que sobrou de antigos partidos ao centro, tentam impingir uma crença, uma cosmovisão insustentável de que tudo vai bem. 

Entregam, de fato, a muito gosto da classe média incauta, espaços de convencimento público. Mas quem mora distante do centro da cidade sabe, que ao sair correndo para resolver um problema grave de saúde, não logrará êxito, porque o atendimento fica muito longe. Não há espaços culturais descentralizados e um dos mais importantes, já quase todo reformado, leva 10 anos para ser entregue. Os programas de mobilidade urbana já desenhados e prontos para execução, com recursos destinados para tanto são engavetados. Na cidade das crianças, as escolas em tempo integral são fechadas, inclusive as que foram criadas em curto espaço de tempo. São apenas algumas reflexões deste velho professor aposentado. Nada de pessoal, apenas um ponto de vista político, não acintoso, mas centrado numa postura humanista à esquerda, de quem quer ver os adversários se convencerem de que estão no caminho errado. Talvez uma ingenuidade, mas esperançosa.

O que se sabe, de verdade é que há um abismo entre uma forma de governar a cidade para e com as pessoas e uma cosmovisão empresarial que transforma tudo em “gestão”. É a mosca azul que picou a ferida da política institucional. Claro, avanços sempre acontecem. Devemos ser honestos. Mas há também inúmeros retrocessos, no plano ambiental, no planejamento do crescimento da cidade, nas políticas sociais, nas próprias relações institucionais, dominadas por burocracias e interesses privados. Mesmo em um governo progressista essa dinâmica atormenta. Nem todos possuem a clareza sobre como governar de maneira participativa e democrática. Muitos enaltecem mais os resultados (ou sua falta) e deixam de olhar o fundamento: o ideal de transformação social, a emancipação possível. Contabilidades à parte, muitas pessoas permanecem vivas e convictas. Seu coração permanece profundamente vinculado a este fundamento.

E poucos amigos de verdade ficam até o fim, como eu e mais outros 4 ficamos, na assinatura da passagem do poder. Poucos amigos permanecem na amizade, independente dos resultados políticos. Alguns traem essa fidelidade, aceitando um cargo qualquer, um benefício a um familiar, mudando de lado com a facilidade que um desonesto infeliz o faz. Por vezes, a manutenção na fidelidade e nos sonhos implica romper com outras amizades, que já não acompanham mais os valores fundantes que sustentam uma atuação política à esquerda. Muitos entendem a proximidade com alguém com carisma como “puxa-saquismo”, bajulação, ou reforço a uma liderança sem adesão a princípios maiores. Ledo engano. Admirar e apoiar não significa não ter vida própria e lastro político. Não significa não ter crenças pessoais assentadas em horizontes emancipatórios.

Nas amizades sólidas, as diferenças podem continuar, mas esse amor maior permanece. E é com esta admiração que eu fico enormemente feliz pelo dom da vida, concedido a este amigo de tantos anos, Pedro, uma rocha quase inabalável, não fosse sua condição humana. Mais um ano de vida, mais um ano de esperanças e sonhos. Mais um ano de amizade, respeito, gratidão e novas construções.

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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