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A Prática do Embuste

O filósofo é aquele que, consciente de seus limites interpretativos, fica o tempo todo atento para apontar o quanto estamos rodeados por falsas impressões sobre a realidade. Nem sempre seus indicativos são certeiros, mas como fundamenta seu olhar em bases mais sólidas que a média das opiniões, há mais consistência em sua percepção. Não que esteja solitário nesta empreitada, mas o dever de ofício o obriga a tentar sair do lugar comum e dar exemplo.

Os embusteiros, ao contrário dos filósofos, fiam-se na estratégia de tergiversar com a verdade. Alusões evasivas aos fatos, rodeios e floreios, subterfúgios interesseiros, meias verdades são mais a sua cara. Falam dos fatos a partir de ângulos específicos, reduzindo a compreensão sobre as ocorrências da vida às lentes de sua emoção. E a emoção, como especialíssima qualidade da condição humana, pode estar tanto a serviço de causas dignificantes, como do apequenamento e do risível. Adeptos da encenação, como comediantes fossem, os embusteiros banalizam o que de sério está a sinalizar transformações e emancipações, reduzindo o mundo à sua subjetividade nada intersubjetiva.

Colocam-se contra tudo e contra todos, sem o mínimo de juízo e senso de realidade. O sentido da justiça passa-lhes ao largo, já que seus interesses são mais específicos, premeditados, pragmáticos e imediatos. Usam e abusam do discurso em favor do coletivo, atacando a todos os que, mesmo desenvolvendo apenas um milímetro de sensibilidade, obstruem o seu caminho. Adoram estar em evidência, detestam os bastidores. Adulam e são adulados, porque seus desvios éticos permitem agregar companhia à sua patologia interpretativa.

Eles passeiam por todos os campos ideológicos, vão do discurso da luta social ao atrelamento a interesses escusos. Aliam-se a parceiros que supostamente se interessam pelo bem coletivo, tanto quanto se permitem a companhia dos que sempre estiveram ao lado de outros embusteiros. Perdem o fio da meada em nome de uma ação política que, em sua cabeça, atingiu a solidez emancipatória apenas em seu círculo de militância. Dão margens tanto a sectarismos e adesismos baratos “de esquerda”, quanto a associações com a prática conservadora.

Não vislumbram boa vontade e honestidade em adversários (ou aliados) cuja história pregressa não desmente o que eles próprios, em passagens efêmeras e “desinteressadas”, já admitiram. Claro, fazem uso do discurso que os próprios filósofos colocam sob suspeita, o da crítica. Porque a crítica pode servir a causas não tão elevadas assim. E nisso se perdem completamente, sem rumo, atônitos, apavorados. Seu destino? A pura descrença.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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