Intriga perceber que em todos os campos da atividade humana, grassa a intolerância, seja aquela patrocinada por diferenças no campo ideológico ou mesmo a que, sem necessidade alguma, alimentamos ao nos imaginarmos melhores que os outros. Diz o evangelho: “quem, entre vós, pode aumentar um côvado à sua estatura? (Mt, 6: 27) ”. O aumento de estatura, enquanto uma metáfora, pode significar inclusive a qualidade moral elevada, aquela que proporciona ao que tolera, uma bondade nunca intrínseca, que surge do nada, mas que é fruto de um exercício contínuo. Nesta empreitada, a razão sempre ajuda. Mas há também o coração. Se não somos capazes de controlar nosso próprio crescimento biológico, como é que vamos controlar nosso crescimento moral? Creio que há indicativos mínimos de como fazê-lo.
Se o coração não estiver imune às impurezas espirituais que nos fazem classificar nossos semelhantes pejorativamente, nunca atingiremos esse patamar moral. Tarefa difícil, mas não impossível. Como diz Márcia Tiburi em uma entrevista, ao referir-se ao conceito de areté, que os gregos utilizavam para falar das coisas enquanto portadoras de utilidade, ser uma pessoa inteira não significa ser santo, nem muito menos o diabo. Uma pessoa inteira de verdade, diz a filósofa, é a que se conscientiza como limitada e potencialmente capaz para criar magnanimidades incomuns, já que todos estamos contaminados por esse espírito de competição que o capitalismo nos impõe, colonizando nossa percepção sobre nossas relações.
Na verdade, invertendo Jean Paul Sartre, eu diria: “o inferno somos nós”. Sim, porque insistimos em infernizar a vida dos outros. Desta forma, não é o outro nosso inferno, mas fazemos um inferno de nós mesmos ao perceber o outro como um inferno. Muitas vezes sem motivo algum, como já disse.
Talvez os psicanalistas possam nos oferecer pistas mais interessantes neste aspecto, ou seja, qual é a de um ser humano que se pretende além de si mesmo, alguém melhor, fazendo tudo para piorar as coisas para os outros? Nada mais contraditório. A infelicidade, enquanto uma desgraça moral total andará sempre de mãos dadas conosco quando desejarmos o mal a outras pessoas. Se recorrermos ao imperativo categórico de Kant, teríamos que nos lembrar o tempo todo: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal.” O velho e batido lema que diz que “o que vale para mim deverá valer para os outros”. Ou ainda: “o que desejamos para nós devemos desejar para os outros”. Toda ação moral, portanto, nunca deverá se constituir como uma agressão a outra pessoa, seja ela de qualquer natureza. A intolerância, partindo deste pressuposto, é a parceira fiel da imoralidade.