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SOB O SOL DA PRIMAVERA ANUNCIADA

Logo cedo me dirigi à Unicamp para uma aula sobre a Paideia Cristã em Santo Agostinho. Dia límpido e claro. Ainda em casa, fui acordado pelo barulho das maritacas. Ao chegar na universidade, entre uns acertos aqui e outros ali, na secretaria, ao subir as escadas que o professor César chama de Tailândia – por conta de uma cobertura com aspecto asiático – avistei, ao longe, vários ipês rosas deslumbrantes, lá bem próximo da rotatória do Pavilhão Básico. Aliás, toda a Unicamp está inundada por estas árvores maravilhosas. Uma vista e tanto, inspiradora.

Já na sala de aula, esperando a chegada do pessoal, fui descontraindo em conversas, ligando os aparelhos para projeção do power point, me lembrando do significado do dia de hoje. Na última semana, Rubem Alves teria completado 90 anos. E hoje, Paulo Freire completaria 102. Os dois foram professores na Unicamp, os dois foram próximos do professor César. E comentei com a turma, sobre a sorte que tivemos em sermos todos alunos e alunas indiretos dos dois mestres da educação brasileira. Netos pedagógicos.

E a aula seguiu bem descontraída. Falar sobre um “santo”, mas com a missão de discutir sua perspectiva filosófica, sua versão sobre o cristianismo, não é tarefa fácil. O idealismo de Agostinho, por um lado, nos ajuda a vislumbrar o que viria depois, a racionalidade científica ao modo moderno, calcada no intelecto, com poucas aberturas para um empírico que nem sempre é a causa de nossos enganos interpretativos, ao contrário, nos ajuda a aprimorar a compreensão sobre o teórico.

Deste ponto de vista, voltei ao Aristóteles, que era amigo de Platão, mas mais amigo da verdade. É no chão da vida, associado a um fundamento teórico sólido que encontramos motivos para avançar no conhecimento. E Paulo Freire nada mais fez do que isso. Cristão sem ser “de igreja”, queria uma Paideia ao modo de Jesus de Nazaré, acolhedora, empática, que abrange a todas as pessoas. E, de repente, me vejo diante de Agostinho, Platão, Aristóteles, Rubem Alves e Paulo Freire. Que salada filosófico-pedagógica, não? No fim das contas, a aula desaguou na possibilidade humana de autoconstrução, contrária à ideia de uma paideia da iluminação divina. Apesar dos interditos, dos condicionamentos, que me parecem como aquelas folhas dos ipês que impedem de ver a beleza geral das flores, a vida flui. Aquelas folhas compõem o estado da arte, como na vida.

O que importa é que nos lembremos dos mestres do conhecimento, seres falhos, mas cheios de humanidade, em processo de construção. E nós com eles. Quanto privilégio de estar num encontro, numa sala de aula, num vislumbre total dos ipês rosas, dos conceitos e categorias de pensamento, da gostosura da convivência, tudo misturado na doce sensação de que foi uma manhã diferente. Pensei comigo mesmo: Paulo Freire está justificado. E tantos outros mestres do Paideia que nos inspiram: os Nunes, os Goergens, os Sanfelices, os Gamboas, os Bergos. Diferentes entre si, como Agostinho, Aristóteles, Rubem Alves e  Paulo Freire, mas fundamentais na construção de nós mesmos, como guias intelectuais a nos sugerir que, como ao olhar as folhas dos ipês com rigorosidade estético-contemplativa, a lida filosófico-educacional implica a mesma disposição de espírito.   

 

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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Um Comentário

  1. Renato, que linda homenagem ! Você transmitiu nossa lado amoroso. 🫶beijos na Manu 💕

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