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PAULO FREIRE EM VIDA

Michael Apple já alertava em uma obra organizada conjuntamente com António Nóvoa (Paulo Freire: política e pedagogia) sobre o fato de grupos e pessoas “se apropriarem” das ideias de Paulo Freire e de as transformarem em um produto (a indústria de Paulo Freire, que ele assim classifica). Me identifiquei com esta assertiva e por esta razão, desde os primórdios de minha atuação como estudioso da obra de Freire, sempre me coloquei como independente, tentando não ceder aos apelos dos que vendem serviços em nome do patrono da educação brasileira.

Não é fácil não ceder aos encantos da sereia de alguns acadêmicos. Alguns e algumas, dando um contraexemplo em relação aos dizeres freireanos, se colocam num pedestal do tudo saber e em sua magnificência, desprezam os “pobres mortais” da academia, aqueles que não tiraram a carteirinha que autoriza falar em nome ou sobre algum autor em especial.

Há também os acadêmicos cínicos, que sempre desprezaram Freire, mas em momentos comemorativos aparecem para lhe render homenagem. Distante tentei ficar dos medalhões, porque entre freirianos e freireanos há muito que não se deve considerar importante. Quando fiz por inocência, a falta de educação e a presunção acadêmica me decepcionaram. Há também os que por razões de ordem pessoal, não simpatizam com Freire, mas respeitam suas ideias. São mais autênticos.

O que custa aos que estão na periferia das instituições é argumentar em torno de ideias e não de pessoas. Argumentar implica reconhecer falhas e virtudes epistemológicas. E modéstia à parte, isso sempre me preocupou, ou seja, olhar para um pensador/educador não como um mito inquestionável, mas vê-lo no processo de seu fazer intelectual, relacionado a tempos históricos, localidades, experiências culturais, limites epistemológicos e potencialidades. E limitações humanas, igualmente.

Paulo Freire morreu no dia 02 de maio. Sempre digo que muita gente se lembra do esportista que faleceu no dia anterior, anos antes, mas do patrono da educação brasileira, apenas alguns. Nem mesmo seus correligionários partidários, os membros da titularidade política, lhe rendem homenagens significativas nas datas de seu nascimento e morte.

Eu raramente me esqueço. Não por uma deferência cega, mas por aquilo que neste contexto de vilezas de espírito, precisamos enaltecer: a defesa dos processos democráticos, da fala, da consideração ao outro, da alteridade. Na academia, por razões talvez menores e por outras não tão menores, Freire foi apenas “um educador popular”, como fora o marxista Thompson. Ensinar cidadania aos adultos trabalhadores não parece tarefa tão atraente para os acadêmicos alpinistas, como Freire sempre denunciava. No entanto, ambos se tornaram ícones da história e da pedagogia, respectivamente.

Mas não devemos cair no discurso barato de que a tarefa dos acadêmicos é a praga maior a se combater pela militância política. Isso seria negar o mesmo sentido da alteridade política. O trabalho docente é em si mesmo uma atividade política. Há nuances no fazer acadêmico, que nos recortes da vida cotidiana se inscrevem como afabilidades positivas. Vi em outros lugares da academia e em outros lugares da sociedade, esforços pela promoção da formação cidadã a partir do método de alfabetização de Freire. Descobri recentemente duas experiências na minha cidade, numa instituição que é um ninho de conservadorismos.

E assim caminhamos, tentando olhar para o horizonte. Nem endeusando pessoas como Freire, nem diminuindo a sua importância. Apenas reconhecendo sua contribuição para a ciência, uma contribuição sempre aberta a críticas propositivas, como deve sempre ser. Apesar de sua morte em 1997, Paulo Freire está na vida de muitos que por uma razão ou por outra, esbarraram em seus escritos lá no túnel do tempo da existência. No meu caso, já faz 43 anos. E parece coincidência que meu novo livro, Crônicas Freireanas, tenha saído da gráfica esta semana.

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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