Ele queria viver mendicante. Sua figura foi romantizada e idealizada. Mas seu posicionamento como homem e ser humano, sua importância social e ecológica ainda são referências. Retiraram de sua regra a pobreza extrema. Impediram-no de manter seus princípios, de tratar dos leprosos. Seus seguidores o traíram. Mesmo assim é considerado a principal figura do cristianismo após Cristo.
Giovanni di Pietro Bernardone, Francisco de Assis, aquele que assumiu na vida a opção pelos pobres e sofredores, o homem da paz e da harmonia cósmica. Um fundamento espiritual, moral e político para o momento presente. Seus biógrafos o tratam como santo, mas a santidade dele se fez na imanência, uma transcendência enraizada, concreta. Atribuem-lhe estigmas que indicariam sua santidade. Doente, afetado pela saúde precária, manteve-se fiel a um sentido pleno para a vida, em comunhão com a natureza, com os pobres. Chamava de irmãos e irmãs a todas as criaturas.
Dialogava com pombos e lobos, enfrentava poderes constituídos, tudo com a simplicidade e a coerência quase ingênua diante de um mundo tão cruel e desumano. Com papas e sultões, sabia dialogar respeitosamente, indicando que religiosidade é vida concreta, muito mais que adesão às burocracias do sagrado. Imagens primitivas o apontam como um homem medievo de baixa estatura. De família relativamente bem-sucedida, de mãe delicada e pai grosseiro. Soube enfrentar com galhardia a honra territorial em batalhas que lhe custaram a conversão ao que mais importa: o canto das cotovias, o amor pela vida, pela paz, pela natureza, pela simplicidade.
Ao lado de Clara, pensou uma vida espiritual despojada, dedicada ao sentido existencial alargado, renunciando todas as benesses que a vida poderia lhes conferir. Seu nome está inscrito na história, em lugares e pessoas. O atual líder católico assumiu a sua assinatura: é também um Francisco. Quantos de nós temos Franciscos em nossas famílias, pessoas que continuaram a saga de levar o nome deste grande homem. Meu cão se chama Francisco. Nenhum nome melhor.
O reconhecimento “oficial” de sua santidade imanente foi imediato, um dos mais rápidos processos da história da igreja. Não havia dúvidas, mesmo entre os burocratas da Santa Sé. Nem mesmo um papa-general, o mais importante da Idade Média, Inocêncio III, deixaria de se dobrar aos encantos de um homem como ele, aprovando-lhe a ordem religiosa.
Até hoje, o discurso ecológico, em meio a tantas desgraças provocadas pela ação humana contra a natureza, serve-se de sua imagem e exemplos. Não há como pensar o compromisso ecológico sem as transformações sociais. Os pobres e sofredores da história são parte integrante da salvação da vida social. Os animais, as plantas e os seres humanos fundem-se numa grande sinergia cósmica, sem a qual nenhuma forma de vida pode persistir em existir. Somos uma comunhão inexorável. Os desequilíbrios provocados pela ação humana representam a sua própria destruição, de todas as formas de vida.
Somos um Brasil maravilhoso, um ecossistema inigualável, com abundância de rios, florestas, manguezais, inúmeras formas de vida. Tudo isso está ameaçado pela mão inescrupulosa dos poderes econômicos, da irracionalidade dos governantes sem ética, dos proprietários de terra sem escrúpulos, daqueles que investem suas forças e violências contra populações indígenas protetoras deste ecossistema.
Há de vingar, com os sinais que se apresentam, como os estigmas de Francisco, uma nova realidade cósmica, mais harmoniosa, respeitosa, integradora das formas de vida. Oxalá tenhamos a possibilidade de ver nossos filhos e filhas desfrutando deste mundo de paz e de harmonia. Que os pobres se emancipem, que as comunidades indígenas sejam respeitadas, que as plantas, os animais, as águas, o ar e tudo o que é “sagrado”, seja garantido com ações inspiradas na genial vida deste homem comum, mas totalmente diferente, porque exemplar: Francisco de Assis.