Home / Destaque / O Pedreiro e a Casa

O Pedreiro e a Casa

Não sei se é pelo fato de meu pai ter sido pedreiro, mas sempre admirei essa profissão. Os artistas da colher nos ensinam muito, se quisermos prestar atenção. Um dia desses, passando de carro pela avenida dos ferroviários, vi dois pedreiros assentando paralelepípedos, recompondo o canteiro central da avenida, naquele trecho próximo ao viaduto da Ponte de São João. Fiquei admirado por ver o carinho, a perfeição e a beleza do cuidado daqueles dois, passando lentamente a colher para deixar o vinco entre as pedras perfeito, sem igual.

Os pedreiros constroem casas. Pensei na nossa condição de construtores e cuidadores da casa que é a nossa vida. Como dizem os especialistas em ética, cuidar da casa é o mesmo que desenvolver uma postura ética. A ética não se constrói com discursos, nem é esquartejada em pedaços, como querem alguns: ética profissional, médica, empresarial, essas aberrações todas que se propagam como perfumarias. A atitude ética é permanente e cabe para todos os momentos da vida, independentemente do lugar em que nos encontremos. Nem se pode separar a ética da política, porque elas estão intimamente vinculadas. O uso do binômio “ética e política” soa ridículo, assim como falar em “ética e cidadania”. Pura retórica sem sentido.

Creio que a pior face do discurso ético é sua veia moralista. Os moralistas estão de prontidão e, como diz o evangelho, querem ver o cisco nos olhos dos outros sem perceber a trave que há no seu. Acham que só eles sabem cuidar da casa. Os outros, são amadores, apenas receberam um legado deles. São os donos da casa. No entanto, na ética, o que conta não são as palavras, mas as ações. Neste quesito, poucos escapam. O moralista vê os desvios. Os sujeitos éticos consideram o desvio como inerente à condição humana.
O que mais me fascina ultimamente é perceber que os especialistas em ética caminham por trilhas diferentes daquelas estabelecidas pelo plano intelectual. Leonardo Boff publicou um livro (O cuidado necessário) que dá continuidade a outro (Saber cuidar), em que menciona a necessidade de um cultivo pleno da sensibilidade ou uma noção amorosa de cuidado, que se traduz como uma ação protetora em relação a tudo que nos cerca. Estamos falando de solidariedade, da mão que apoia e dá sustento. Inquietação permanente consigo mesmo e com o outro, que impele atentamente, ato contínuo, como vivência cotidiana, prevenção e precaução. Como pedreiros a construir casas, podemos atuar desta forma ou não. No manejo da colher que a vida nos deu, podemos deixar o vinco entre os tijolos bem alisados, ou então, com rebarbas que o tempo deverá ajustar.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Escolar (GEPHEES), da Universidade Sorocaba. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

Check Also

QUE CIDADE QUEREMOS?

  Uma cidade nunca é o resultado de uma marca específica. Terra da Uva? Terra …