Na biografia de Dom Paulo Evaristo Arns, “O cardeal da resistência – as muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns”, organizada por Ricardo Carvalho e patrocinada pelo Instituto Vladimir Herzog, encontramos um capítulo que aborda o envolvimento do Cardeal com a causa dos pobres e a Teologia da Libertação. Um texto retirado da internet faz menção ao processo histórico do surgimento dessa linha de pensamento teológico, remetendo o leitor à Segunda Conferência Geral do Episcopado latino-americano, realizada em Medellin, na Colômbia.
A reprodução de uma carta de Dom Paulo endereçada à Congregação para a Doutrina da Fé, em 1984, na época sob a responsabilidade do então Cardeal Joseph Ratzinger é outro destaque. No documento Dom Paulo enfatiza que a igreja deve assumir seu compromisso com os pobres e excluídos. Condena com veemência os católicos que fazem uso do discurso da igreja para agir contra os pobres. Diz que a preocupação maior não deve ser com a teologia e os teólogos, mas com a massa de famintos e injustiçados. Conclama a igreja de Roma a assumir a defesa dos pobres.
Os trechos mais contundentes merecem reprodução. “Não faltam denúncias e calúnias. Houve quem afirmasse que os pobres latino-americanos tinham inventado um Cristo guerrilheiro ou agitador político (…)”. “É falso que a teologia latino-americana derive só da sociologia ou de uma leitura sociológica dos acontecimentos. Ela procede da palavra de Deus que está na bíblia, lida na tradição cristã, sob a luz do Espírito Santo”. E profeticamente anunciava: “Não pode a igreja permanecer confinada nos seus edifícios, nem tampouco na linguagem hermética da sua teologia oficial. Deve falar de forma a ser compreendida”. A carta foi escrita em função, sobretudo, das punições aos teólogos da libertação. No ano seguinte, Leonardo Boff seria condenado ao silêncio obsequioso por João Paulo II. Vale a pena ver a carta toda, aliás, o livro todo.
Na ocasião, Dom Paulo não era uma voz solitária no magistério da igreja. Estava acompanhado por nomes como os de Dom Aloísio Lorscheider, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Dom Helder Câmara e tantos outros bispos brasileiros de envergadura.
A recente declaração do papa Francisco de que os padres católicos necessitam se aproximar mais da realidade dos pobres pode parecer uma novidade, portanto, mas não é. O “bispo das favelas”, como era conhecido em Buenos Aires, vem a público dizer sem meias palavras, exatamente o que bispos brasileiros já diziam com força nos anos 70 e 80. A questão que fica é pensar por qual razão a igreja de Roma se calou durante todo esse tempo. Curiosamente, Dom Paulo é um frei franciscano.