Em uma reunião política da qual participei, afirmei que minhas posições ideológicas tendiam para o humanismo. Um colega, citando um autor estrangeiro, alegou que o humanismo é uma forma de conservadorismo. A memória intelectual pode nos trair. Na história do pensamento brasileiro encontramos uma gama de expoentes que atestam justamente o contrário, como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Milton Santos.. Como é sabido, Freire foi um dos mais destacados ativistas políticos brasileiros, indicado inclusive ao prêmio Nobel da Paz.
Talvez quando falte a análise dos conceitos, as interpretações sobre os mesmos venham carregadas de preconceitos. O humanismo está associado ao discurso ético e se caracteriza como uma atitude essencialmente política. Como demonstrou Aristóteles, a ética é um tratado político. Desta forma, nunca uma proposta humanista poderá estar deslocada da política, especialmente da política com “P” maiúsculo. Como bem define Mário Sérgio Cortella, o humanismo é uma constante busca de significação para a existência, nesse processo natural e dialético que é a vida. As relações humanizadas levam sempre à desmobilização dos aviltamentos do humano, promovendo uma aproximação entre as pessoas. Trata-se de uma dinâmica cultural que tem como finalidade libertar os homens e mulheres da condição de objetos, para torná-los sujeitos da história, autônomos, conscientes, solidários. Estamos falando da construção de nossa identidade como seres humanos e como seres políticos, cuidadores da sociedade. O humanismo não deve ser considerado como uma postura conservadora. O discurso humanista não crítico talvez, mas a prática não.
Quando ainda aluno de graduação, um dos meus professores, um importante filósofo brasileiro, contou-nos sobre suas experiências como consultor ético em uma equipe de neurocirurgia em um famoso hospital. O chefe da equipe de residentes solicitava que analisassem o quadro clínico de determinados pacientes. Qual não era a surpresa quando, após vários “procedimentos técnicos”, os pareceres conflitavam com as causas das moléstias que acometiam os doentes. Durante as aulas, meu professor alertava sobre como a falta de cuidado com o humano pode transparecer no uso de técnicas frias que desconsideram o próprio humano.
Guardei a mensagem até hoje. E penso que em qualquer atividade profissional, de qualquer natureza, a atitude cuidadora, um humanismo crítico, o respeito à experiência vital do outro, como digo, é condição imprescindível para compor nossa ação política. Caso contrário, em nome de um discurso político, aí sim, seremos conservadores, por desconsiderarmos a necessidade de humanizar as nossas relações.