Nas últimas décadas, apesar do apelo e utilização de recursos das pedagogias críticas, elaboradores de políticas públicas educacionais, mancomunados com um Estado distante dos interesses públicos, acentuaram um discurso educacional bem distante da tradição antiga, humanista, enfatizadora da formação holística dos cidadãos.
As duas dimensões fundamentais da educação plena desenvolvida pelos gregos, a chamada Paidéia, eram a formação geral, mais ampla, relacionada a valores e civilidade e, outra, a formação específica, preparatória para a vida prática. A modernidade capitalista desmembrou essas dimensões, dando mais valor à segunda. Não há quem, no âmbito de uma visão comum sobre o que é educar, dissocie escola de formação profissional.
O ápice desse distanciamento projetado, no caso brasileiro, foram as políticas públicas implementadas na década de 80, que se fundamentavam o discurso teoricamente fraco da chamada Teoria do Capital Humano, enredo utilizado como estratagema dos interesses privados para descaracterizar o papel do Estado como agente promotor do bem comum. A formação de mão de obra tecnicamente preparada, através de processos educacionais, sustentava um discurso que na prática não se verificou. Nem a escola formou para a vida cidadã, nem para as atividades práticas da vida social.
O grande dilema educacional do presente é justamente reconectar essas dimensões, para que o processo educacional seja visto como formação cultural mais larga. Educar significa, então, promover a convivência, o diálogo, a troca, já que nenhuma atividade educativa, formal ou informal, dará conta de providenciar todos os saberes necessários para enfrentar a condição básica, finita, de nossa existência.
Não faz mais sentido, descaracterizar o saber prático como técnica isolada da formação moral e do caráter. Não faz mais sentido cuidar menos do cuidado ético e mais do cuidado técnico. Enquanto membros de uma comunidade local, citadina, a responsabilidade é nossa, como atores políticos responsáveis por promover um debate que coloque os pingos nos “is” sobre qual o cerne da atividade educativa: educar para a vida social.
Fugindo das armadilhas da falsa consciência sobre o que é “qualidade da educação”, governos e cidadãos juntos devem providenciar esse retorno à uma concepção de educação centrada no pleno desenvolvimento das pessoas. Educar é cuidar das pessoas, substancialmente.
Cuidar no plano moral, em primeiro lugar. Cuidar para que existam caminhos de comunicação mais civilizados. Cuidar para que a participação cidadã seja plenificada. Cuidar para que as questões práticas e materiais tenham o seu devido lugar no processo educativo. Para que ensinar esteja relacionado ao formar e para que formar signifique considerar o ensinar. A redução da tarefa educativa ao ato de ensinar reforça a falsa consciência de que a escola tem como objetivo apenas instruir tecnicamente, teoricamente.
Políticas públicas que se sustentam em reflexões mais alargadas e amplas, que consideram o cuidado e o respeito às pessoas, jamais permitirão que o que é circunstancial, tome o volume e lugar do que geral.