Há quem diga que não, que a existência está marcada pela nossa capacidade em sempre avaliar situações, que nossa racionalidade se constitui como marca fundamental cotidiana, em nossa busca por resolver problemas. Mas há vários tipos de racionalidade. Como já demonstraram os filósofos da Escola de Frankfurt, em grande medida somos pautados por uma racionalidade instrumental, voltada para o mundo pragmático dos fins materiais. Suas características fundamentais são o domínio e o controle.
Mas há uma racionalidade fundada no diálogo, na comunicação qualificada, que está em baixa, evidentemente, que emerge como força possível de reação ao domínio. Consensos não fabricados, que surjam de debates em torno de razões e valores mínimos poderiam arrefecer o poder dos organismos de controle. No entanto, não há como acreditar ingenuamente na eficácia real desta perspectiva, apenas na ideal.
Muitos campos da experiência social ainda estão contaminados pela razão instrumental. A escola, as organizações do mundo econômico, a política institucional, infelizmente, em grande medida estão à mercê de interesses menores. A pragmaticidade – resultante de uma concepção elitista e conservadora de mundo – supõe que não seja mais necessário discutir tanto. Assuntos relativos à vida democrática devem ser deixados de lado para que “por necessidades emergenciais” e supostos “interesses coletivos” as “coisas andem mais rápido”. Não temos tempo para conversas democráticas, os conhecedores do mundo prático resolvem tudo por nós.
Esta forma de pensar é sintoma “prático” do descrédito da racionalidade. Pensar coletivamente é desnecessário. No chão da sociedade como em seu topo, encontramos vestígios da opressão antidemocrática, como diria Paulo Freire. Há pesos sociais, culturais, psicológicos, que ajudam a constituir esse quadro de alienação e o enfraquecimento gradual de nosso poder de análise a partir de outros paradigmas de racionalidade.
Sensibilidades são tidas como antônimos da racionalidade. Emoções são vistas como sinais de fraqueza. E as inversões éticas acompanham nosso empobrecimento intelectual. Padrões culturais, de linguagem, de pensamento, ajudam a encobrir as enrascadas em que nos metemos todos os dias. Inebriados e entediados pelas “razões baixas” da existência, sobra-nos pouco tempo para estabelecer conexões entre motivos sociais, inconscientes, políticos, que nos atordoam cotidianamente.
Não que a saída esteja na racionalidade como fórmula rasa. Ela não dá conta de tudo. Talvez o que nos falte seja mais sensibilidade, intuição, astúcia psicológica.