Quando Rubem Alves disse que a Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação, naquele artigo publicado em jornal de grande circulação, em maio de 2002, muita gente se espantou. Eu fui um deles. Mas reli com cuidado aquelas palavras e agora compreendo melhor. Ele dizia que o povo e Deus andam em direção oposta, lembrando a adoração do bezerro de ouro após a libertação do Egito.
Deus sempre foi o ser amoroso e apaixonado, dizia citando os exemplos de Oséias. O povo, ao contrário, sempre deixando de lado este amor para se esquecer de Deus. Assim foi no dilúvio, na torre de Babel, o comportamento da massa, que fez e faz com que a individualidade da consciência moral se perca, desfigurando-se em comportamentos tolos. A razão perde espaço para as emoções coletivas. As lutas apaixonadas em nome de verdades e ideologias, lembra ainda o grande educador, fazem com que o comportamento de massa passe a detestar o que é belo e aprazível. A filosofia, os livros e os violinos devem ser queimados em nome do ideal de pobreza e “equidade”.
Alguns sugerem que viver a pobreza material é condição para a vida digna. Em parte sim, porque os desprovidos, aqueles que realmente viveram a falta do que comer, vestir, sabem realmente o que ela significa. Mas Lázaro, um homem rico, era um dos principais amigos de Cristo, que não o fez esquecer que a viúva deu duas moedas para o dízimo, tudo o que ela tinha. Não era um décimo, mas tudo. Quem se dispõe? Judas se incomoda que Maria gaste um frasco de óleo de 300 denários para ungir os pés e cabelos de Cristo. Ele diz que os pobres entre nós sempre haverá.
Muitas interpretações derivam destas assertivas. Uma delas é a que sugere que reverteremos a pobreza apenas distribuindo de forma assistencial algum valor. A justiça e a caridade passam ao largo, porque transformadoras e permanentes. As pobrezas são várias, evidentemente. A material é uma das mais perversas, porque injusta e vivida na carne. A de espírito já deixa marcas mais profundas em quem manifesta. Cada um é pobre de um jeito.
Talvez hoje vivamos uma pobreza sem par. Eu sinto que a minha pobreza é a vontade de falar. Preciso vencer tal tentação. Mas chega o tempo de calar. Não porque admita não poder falar, mas porque impelido por aquela situação semelhante à dos pássaros em tempo de muda de pena, que não cantam, desejo calar. Em breve, o silêncio se sentirá. Doce silêncio, espetáculo para a consciência, já que há muito temor nos ruídos da comunicação.