Durante mais de 20 anos da minha carreira docente no ensino superior, atuei em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Administração e Economia. Eu compunha um pequeno grupo de professores que se contrapunham criticamente ao discurso hegemônico neoliberal – naqueles longínquos anos 90 –, discurso este que supunha que o processo de globalização traria avanços no desenvolvimento econômico mundial e proporcionaria modificações benfazejas nas condições políticas e ambientais.
Éramos vistos com desconfiança por sermos “avançados demais” (eu diria, críticos). Do ponto de vista curricular, nos cursos de Administração, algumas disciplinas cumpriam a função de “amaciar a consciência” do mundo empresarial. Elas sugeriam que disciplinarizações morais em diferentes mecanismos (leis ambientais, códigos de ética (sic) etc), seriam suficientes para “ajustar” o mundo dos negócios aos compromissos sociais e ecológicos. É o caso das fictícias “ética empresarial” e “ética ambiental”, perfumarias que ludibriavam os estudantes com as invenções desviantes da consciência política.
Lamentavelmente, as relações de domínio econômico mundial, historicamente explicitadas por grandes estudiosos brasileiros, como Milton Santos e Octávio Ianni, passavam ao largo da compreensão da maioria dos docentes, quase todos provindos das empresas ou congêneres. Ingênuos e nada críticos, pensavam a globalização como fenômeno novo e, portanto, necessário e bem-vindo. A eles faltavam os elementos históricos de análise que mostrassem que o tal fenômeno é secular e possui ao menos três grandes fases: a do mercantilismo, a do industrialismo e a do capital financeiro (esta a atual). Neste último cenário, o que vige é o poder do dinheiro, como alertava Milton Santos. E ele produz inúmeras perversidades.
É sob a lógica do capital financeiro que todas as formas de “otimização piorada” de recursos naturais (hídricos, florestais, minerais etc) que o grande capital vem atuando, para extrair mais dividendos, com a subserviência de agentes políticos, atuantes na aprovação de legislações frouxas, que relativizam o bem natural.
Falta a lógica do cuidado, tão cara aos princípios éticos elementares.
Dados concretos, em relação ao que acontece hoje no Rio Grande do Sul, apontam que as emissões de gases tóxicos, o avanço do desmatamento (com a contribuição inequívoca do agronegócio), da “opção” pela energia de fonte hídrica que leva à destruição de ecossistemas, dentre outros fatores, são pouco levados à sério pelos homens do mundo político-institucional. Há hoje no congresso, 25 projetos de alteração na constituição federal tramitando e que propõem flexibilizações nas leis ambientais, o chamado “pacote da destruição”. Dois destes projetos tem como objetivo o prejuízo ambiental no Rio Grande do Sul, um deles a destruição dos Pampas. Estas inadimplências ambientais agravam fenômenos climáticos e levam ao que vemos acontecer na atualidade, naquele estado brasileiro.
Se falta cuidado, não há prevenção que prevaleça. Prevenir o que já foi autorizado? E deste ponto de vista, há governos mais e governos menos interessados em preservar o ambiente inteiro. A lógica do capital não deixa escapar ninguém. Desde o cidadão que joga um papel na sarjeta, ao sitiante que queima o seu mato, ao empresário do agronegócio que avança na floresta, ao industrial descompensado que pouco se importa com os mecanismos de preservação, aos coordenadores do garimpo ilegal, ao deputado de extrema-direita que ajuda neste processo, todos são responsáveis pelos efeitos que agora enfrentamos.
Essa lógica foi estabelecida pelo Consenso de Washington, a reunião em que os países centrais do hemisfério Norte e seus “assessores”, propuseram como a “saída global” para o hemisfério sul: a defesa dos interesses privados de forma inescrupulosa e a diminuição do papel do Estado no controle das políticas sociais e ambientais. A lógica do hemisfério norte é a lógica da destruição do sul global e, em nosso país, verificada na destruição do sul local, o estado do Rio Grande do Sul. Sofrem os cidadãos comuns. Muitos deles, invadidos por uma consciência política precária, ajudaram a eleger os sujeitos que assinam os termos da destruição.
Há poucas saídas. Com o tempo, talvez, alguns avanços que amenizem essa complexidade toda. Em certa medida, alguns já acontecem. Mas são insuficientes. Precisamos de esforços maiores. Um deles é a mudança nos rumos das políticas de educação, hoje infelizmente submetidas também à logica do mercado, a lógica da mensuração, da avaliação. Precisamos de outra lógica, aquela já tantas vezes escrita por Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes: uma educação crítica, emancipatória, humanizadora, promotora da consciência ambiental, do amor à natureza e à sua preservação. Do contrário, continuaremos rumo à morte já prevista e em tempo curto, do nosso planeta.
Não se trata de uma visão apocalítica, mas de uma simples constatação que provém do conjunto das ciências. E, convenhamos, o mundo dos negócios sempre teve severas reservas ao discurso científico, especialmente ao das ciências humanas e sociais. No máximo instrumentalizou esse discurso, com a adoção parcimoniosa dos referenciais críticos, para ajudar neste processo de amaciar as consciências. A precariedade dessa instrumentalização se verifica no também precário e restrito número de setores empresariais comprometidos.
Para onde iremos, não sabemos. Mesmo a maior previsibilidade científica não adentra nos ouvidos de quem manda no mundo. O resultado é a intensificação de processos de destruição da consciência política e da consciência ética mínima. As vociferações odiosas, as guerras, o comportamento belicoso contra a natureza, disputas de toda natureza, envolvidas pelo velho sentido da luta de classes talvez impeçam, ao menos momentaneamente, que atinjamos algum grau de civilidade. As esperanças existem, mas são infinitamente pequenas em relação à nossa capacidade de autodestruição. Como disse recentemente um intelectual, só o reencantamento com essa esperança, na recuperação de nosso sentido público da luta por justiça social e do cuidado com a beleza do mundo poderá nos salvar. Do contrário, vale a recuperação de uma impressão que os filósofos da Escola de Frankfurt apontavam no início do século 20, de que a emancipação é uma tarefa inglória, mesmo que não impossível, frente ao poder do capital.