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UM PAULO FREIRE REAL

No dia 02 de maio de 1997, Paulo Freire morria em São Paulo, “do coração”. Estigmatizado pela direita raivosa nos últimos anos, ignorado e desconsiderado pela esquerda ortodoxa faz muitos anos, ele sobrevive como o maior educador brasileiro de todos os tempos.

 Há os que o idealizam, colocando-o no plano do irretocável. Poucos são os estudiosos de sua obra que se comprometem com a independência crítica. Há pessoas, grupos e instituições que, como diz Michael Apple, fortalecem a chamada “indústria de Paulo Freire.”

Para o bem da verdade, temos muitos contributos importantes que muitos dos que se dedicam a analisar e apresentar os resultados da aplicação de suas ideias, trazem para a reflexão sobre a educação brasileira e mundial. Particularmente gosto de alguns deles, que parecem não se identificar com essa “indústria de Paulo Freire”. Fazem seu trabalho sem muito alarde, de forma silenciosa, sem holofotes. Não brigam por terminologias vazias, disputas menores, como se ao se referir a Freire devêssemos falar em “pensamento freiriano ou freireano”. Há vaidades que vão além do plano ideológico, muitas vezes veladas, mas que nas brechas do conhecimento vão aparecendo, aqui e ali. Alguns dos que o cultuam e disseminam suas ideias, trafegam entre a seriedade e o personalismo, tão discrepante do que talvez Freire propusesse.

Nas universidades, em determinados departamentos e grupos de pesquisa, Freire é sinônimo de “desimportância”. Alguns críticos, no passado, o classificaram como “nacional-desenvolvimentista autoritário”, “pouco ou nada marxista”, “liberal demais”, “sonhador” e outras tantas adjetivações. Alguns autores mais sérios, no entanto, já ajudaram a desmistificar estes lugares-comuns “à esquerda”. Mas há inúmeros lugares-comuns “à extrema-direita”. Parece que os dois espectros políticos andam de mãos dadas, em muitas ocasiões.

Sem idealizações, particularmente entendo que Freire é fruto de um processo histórico complexo e suas bases teóricas vão sendo aprimoradas com o tempo. Nem sincretismo, nem ecletismo, mas construções teóricas que partem de contextos específicos. E mais que isso, é uma personalidade igualmente complexa. Um ser humano como outro qualquer.

Mesmo a Pedagogia do Oprimido, obra central do educador pernambucano, do ponto de vista epistemológico, revela que sua inserção no quadro do marxismo, fez-se de maneira confusa, misturando tendências e autores e até mesmo personalidades do mundo político internacional numa “mesma bacia”. Posteriormente, suas demais obras vão se livrando desta confusão epistemológica e, no julgamento de autores da educação estadunidense a ele ligados, Freire foi se inserindo no espectro da Teoria Crítica da Sociedade e se tornou “o pai da Pedagogia Crítica”. Isso não o tornou imune a outras confusões, como ao mencionar uma “pós-modernidade de esquerda”, terminologia posteriormente abandonada. 

Há poucos com sensibilidade fina para sintetizar suas proposições numa conexão saudável com as outras tendências progressistas. Uma síntese amorosa e respeitosa. Sem disputas mesquinhas, sem personalismos, sem desmerecimentos. A elegância também compõe o padrão acadêmico comprometido. Mas nem sempre. A arrogância dos encastelados e a postura esvaziada dos que “vivem no mundo da lua” em nada contribuem para esclarecer o que realmente Freire significaria para as políticas de educação no Brasil, caso efetivamente fosse utilizado como inspiração. Falta posicionamento mais incisivo contra o que se vê, na prática, como rumos não combinados com a sociedade. O que temos atualmente na gestão do Ministério da Educação parece indicar caminhos bem diferentes, a rendição aos interesses do mundo empresarial. Uma postura lamentável, por parte de um governo que poderia ter se apropriado do que mais moderno há como orientação de políticas de educação. Mesmo na Europa, não são poucos os casos de estudiosos que questionam o “padrão PISA” de avaliação. E no Brasil, também não são poucos os que apontam os equívocos do sobralismo, que bebe da mesma fonte. 

Nestes 27 anos de sua partida, na esteira de uma experiência prática da aplicação parcial de suas ideias na educação básica e de uma outra experiência humilde no plano da análise de alguns aspectos de sua vasta obra, rendo mais uma vez minhas homenagens a esta personalidade do mundo intelectual brasileiro, sem idealismos, considerando-o uma pessoa comum, um ser humano, um educador crítico comprometido com a causa da educação humanizadora, como direito social e subjetivo. Não estou para apontar “adendos” retificadores a uma personalidade que merece grande respeito. Nem reparos à sua personalidade. Celebro sua presença em minha trajetória, desde os idos de minha juventude, quando a atuação social ensejava lê-lo e aplicá-lo de alguma maneira.

Fiz descobertas interessantes, recentemente, do como seu método de alfabetização foi aplicado, em duas ocasiões, em periferias da minha cidade e de cidades vizinhas, por agentes voluntários e atuantes em pastorais da igreja católica. Vi, li e conversei com pesquisadores e pesquisadoras portugueses, durante algumas passagens por aquele país, que me abriram caminhos de pesquisa para entender o como seu método de alfabetização de adultos foi incorporado no processo anterior e posterior à Revolução dos Cravos, em políticas de educação permanente.

Freire desperta amores, ódios, interesses, disputas. No entanto, sua forma aberta, ingovernável e criadora de ser o tornaram muito criativo. O próprio uso das palavras, sempre navegando entre o culto e o sentimental, atestam que estão equivocados os que querem encaixá-lo numa forma culta de escrita. A popularização da palavra, a defesa da fala como se fala, como possibilidade aberta de comunicação, não permitem preciosismos linguísticos.

Na minha modesta opinião, vale mais a “boniteza” (uma palavra inventada) do sonho de Freire, que a tentativa de apontar um Freire “puro e correto”. Ele era e é um ser em construção.

           

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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