O que falar quando se chega à aposentadoria? Sou descendente de italianos por todos os ramos. Sabe-se da dureza da vida desse povo e seus sofrimentos. Mas outros povos também sofreram aqui o peso do chicote no lombo, fruto de uma tradição dilapidadora do capital, que despreza o trabalho como forma de promoção humana, transformando-o em mercadoria.
Completei 35 anos de trabalho formal, que somados aos anos de informalidade, proporcionam 40 anos de luta pessoal. A maior parte deste tempo dedicando-me às questões da educação. Continuo na alegria de ser professor e na esperança de compartilhar com modéstia minha experiência, recebendo mais do que ofereço. Nunca me furtei à luta pela valorização profissional, atuando nos movimentos em defesa da escola pública, laica, de qualidade e para todos.
Mas há passagens tristes, como o desemprego. Na informalidade fui ajudante de balconista de loja, ajudante de serviços de construção com meu pai (mais atrapalhava que ajudava) e secretário de paróquia. Meu primeiro emprego formal foi como oficce boy em um escritório de contabilidade. Depois, por quase 10 anos trabalhei em instituições bancárias e, finalmente, em uma empresa do ramo metalúrgico. No meu segundo emprego, num banco que já não mais existe, amarguei as dores do autoritarismo já no primeiro dia de trabalho. Em plena ditadura militar, chefias não sabiam distinguir o nível de sensibilidade de um garoto de 15 anos em relação aos adultos. Palavras ríspidas, desmerecedoras, confirmavam o que verificamos todos os dias nas relações de trabalho, o desprezo pela pessoa humana. Fui demitido às vésperas do serviço militar e veio o desemprego.
Fiz tudo que desejava. Sinto-me feliz por ter construído uma carreira como educador. Agora posso me aposentar, apesar de todos os fatores previdenciários e restrições aos direitos dos trabalhadores que nos são impostos, impedindo que o reconhecimento social acompanhe a nossa luta. Não sinto necessidade de provar nada, apesar de vivermos as agruras (neo) liberais que nos contaminam a psique, impondo-nos uma angústia, uma ansiedade, com cobranças pela “eficácia”, “eficiência”, “competência”, “capacidade” e por aí vai.
Parece que a experiência nunca é suficiente e temos de demonstrar o que já é óbvio. Triste realidade dos trabalhadores, que vai minando a autoestima, a consciência de si mesmo como sujeito de valor subjetivo e cidadão atuante em favor de relações mais humanizadas e justas. Fechando um ciclo, pretendo continuar, apesar de tudo. Sinto-me reconfortado pela sorte que tive, valores e amizades que construí ao longo desses 35 anos, os alunos, os livros publicados e, sobretudo, por estar vivo.