Nas origens estamos em pé de igualdade. Não há pré-condições de nenhuma natureza. Ninguém é mais capacitado moralmente, nem intelectualmente. A cultura e a experiência social é que vão definir, em meio ao exercício possível da liberdade, quem afinal de contas somos nós. Dependendo do rumo da vida, assumiremos esta ou aquela inclinação, devido aos enlaces com valores, modos de vida, pontos de vista e leituras de mundo, como diria Paulo Freire.
Não há como desejar erroneamente julgar-se acima do bem e do mal, estar mais próximo da verdade e do “lado certo” da realidade, na expectativa de que sejamos fortes o suficiente para tudo resolver, tudo dar conta, sem contar com o que conta, a relação com os outros. Infelizmente temos essa tendência, por ausência de autocrítica, em pensar que a eficiência de nossas ações sobrepuja a necessidade do olhar do outro. Fato presente na atualidade imaginar que nossos anseios devem ser satisfeitos imediatamente. Uma infelicidade tal que nos rodeia, fruto da felicidade fabricada, que não conseguimos viver em paz.
Correndo atrás do que nunca estará ao nosso alcance, arquitetamos situações imaginárias, irreais, não factíveis, em nossos devaneios de todos os tipos. No plano da luta social, consideramos que nossas posições políticas, supostamente mais apropriadas, são fruto de nenhum grau de sociabilidade, como se metafisicamente, tivessem caído do céu sem precisarmos viver as contrariedades da vida. E mesmo ao vivê-las, por vezes nada aprendemos, já que reproduzimos em comportamentos hostis e contrários ao nosso dizer, o que antes supúnhamos ser o bem.
Optamos por este ou aquele caminho ideológico, levados pelas circunstâncias de cada momento, mas nem todos temos princípios mínimos inegociáveis. No vale tudo do “ganhar posição” na luta social, abdicamos da decência e da sensatez. As ideologias “intocáveis” e restritas, por outro lado, em termos de dialogicidade, morrem na praia do cotidiano, enquanto as marés das necessidades imediatas pedem socorro constantemente. Etéreas e fugazes, ficam as ideias, ao menos para alguns que não conseguem perceber o chão da sociedade.
É triste que não passemos disso, aquilo que éramos antes, nas vésperas de nossa existência. Projetos quase inertes e nivelados pela biologia, ou quem sabe, no mínimo por algum sentido existencial. No mais, puro devaneio. Ou como diz Marcia Tiburi, citando Calderon de La Barca, “a vida é apenas um sonho”. Melhor ainda, o que nos lembra Shakespeare, “a vida é uma simples sombra que passa” (…); é uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa”.