Tomo por empréstimo o subtítulo desta obra (um planetário de erros), para promover aqui, brevemente, uma reflexão sobre o tempo presente. Provavelmente boa parte dos brasileiros esteja afetada em seu ânimo diante dos acontecimentos políticos dos últimos meses. A história recente não produziu efeitos tão perversos para o coletivo quanto agora. Infelizmente, estamos cercados por mediocrizações políticas, expressas em ações governamentais promovidas por agentes públicos, em todos os poderes e níveis. No chão da sociedade, mesmo com inúmeros avanços na consciência política após o fim do regime militar, percebemos um recrudescimento do discurso e de práticas conservadoras que impregnam o imaginário social, produzindo efeitos de poder inimagináveis anos atrás. O desmantelamento de conquistas sociais de décadas, promovido por uma classe política que ocupou o poder por meio de fisiologismos e articulações imorais, são os resultados mais perversos.
Noutra ponta do tecido social, verifica-se o que apontou Michel Foucault, acerca da instalação constante de micro poderes, que se movimentam à nossa volta e que estão sujeitos e subordinados a poderes maiores. Na vida política, no cotidiano das organizações de todos os tipos, há sujeitos sociais utilizados para o serviço sujo, subalternizados que estão aos interesses dos que efetivamente controlam o poder. A perda da decência não é privilégio apenas das camadas dirigentes. Trata-se de um complexo processo de contaminação ideológica que elimina a seriedade moral em todos os cantos da vida social.
Mesmo com toda força do ideário emancipatório, a crise do sentido de esperança é visível entre nós. No entanto, não podemos creditar aos mecanismos históricos de manipulação da atualidade um poder para além do tempo. A história é um processo contraditório de mudanças. Mesmo que no momento presente verifiquemos forças aparentemente instransponíveis e que, de fato produzem efeitos de dominação bastante poderosos, não há evidências de que estas forças tenham garantida permanência.
Os erros presentes na dinâmica deste processo podem ser avaliados a partir de vários referenciais teóricos. Das ciências sociais à filosofia, da economia política ao discurso educacional, podemos extrair análises que fundamentem a nossa prática para que as condições perversas da atualidade possam ver diminuídas as suas forças.
Há que se reavaliar nossa compreensão sobre a política, para que ela seja vista para além do campo institucional, enquanto mobilização de consciências e corações em distintos espaços e organismos da sociedade. É notório que a desesperança nos cerca. Mas também é que há um universo, um “planetário de erros” nas situações que se endereçam ao conjunto da sociedade, capitaneadas por grupos, classes e organizações sem a menor consciência do que significa uma cultura política mínima.
Erros de base nas estratégias de organização social, ao desvalorizar ativos humanos e supervalorizar ativos financeiros em nome do bem público e das organizações. Na própria economia política encontramos análises sólidas sobre os fins mais preservacionistas da base produtiva e da vida social, contrárias à especulação e à selvageria contra direitos sociais.
Não há como garantir sobrevivência civilizacional num quadro como este. Mas não há como arrefecer o espírito de resistência, seja por meio do trabalho intelectual ou por meio do compromisso de base nas organizações da sociedade civil.